segunda-feira, agosto 29, 2011

Notas sobre os Emblemas/Escudos nas Capas

Não é de hoje que a questão dos emblemas (que também se chamam "escudos"), que os estudantes colocam nas suas capas, tem sucitado vários debates, muitas dúvidas e muitas mais patetices.
Basta passar os olhos nos muitos fóruns sobre Praxe e Tradição Académica, para se verificar aquilo que é, hoje, uma enorme profusão de confusões, invenções e mitos, todos eles geradores de interpretações ad hoc e de uma "terra de ninguém" onde reina uma certa anarquia e a
crescente moda do "na minha capa meto o que bem me apetece", sob a desculpa esfarrapada do "a capa é minha" ou daqueles ridículos argumentos que alguns usam de que colocaram este ou aquele emblema porque tem um determinado significado (mesmo que nada tenham a ver com a praxis), como é o caso daqueles emblemas abonecados do "Tio", da "Avó" (onde se esquece/desconhece, que a capa não é montra de homenagens - e que a capa só tem essa função  - homenagem/agraciamento -  quando deitada no chão, e em condições bem definidas) ou aqueles simpáticos escudos que dizem, por exemplo "Sou de Engenharia", para só citar alguns.

Isto, caros leitores, para não falar, depois, nos denominados "emblemas obrigatórios", outra patetice, pois uma coisa é indicar os que são permitidos, outra é obrigar a colocar este ou aquele, quando se pretende meter emblema na capa. Coitado do pobre que só pretende ter 3 ou 4 emblemas na capa e se vê, de repente, na obrigação de meter mais 4, 5 ou 6 que os que desejava, só porque o código manda (e quem esfrega, naturalmente, as mãos de contente são as lojas que comercializam os emblemas).

SITUAÇÃO/PROBLEMA

Reveste-se, assim, tantas vezes de verdadeiro autismo, arrogante teimosia, e outras tantas de argumentação patéticos, o pensar-se que sendo a capa de cada um isso lhe confere o direito de fazer o que bem lhe dá na real gana ou a presunção que por estar em código significa estar correcto.
Mostra esse exercício não apenas ignorância, mas uma jactância  repleta de incoerência.
 
Para umas coisas segue-se a Praxe e o código à risca, para outras segue-se o umbigo, a própria vontade, a interpretação pessoal.....as conveniências.
Resume essa atitude que muitos estudantes não são, de facto, praxistas, querendo 2 pesos e 2 medidas: o genérico e o pessoal, defendendo a praxe com unhas e dentes, excepto quando isso melindra o seu espaço e comodismo, quando impede o pedestal da montra, da vaidade, do querer diferença e regime de excepção.
Outras vezes, defende-se a letra da lei que resulta não de uma base assente em tradição, mas do desvirtuar das coisas, normalmente por desconhecimento.

OS CÓDIGOS
Muitos dos actuais códigos legislam sobre a colocação dos emblemas, mas demonstram que os
seus autores desconheciam (ou fizeram vista grossa)  a real origem desse costume, abrindo portas à invenção e à profusão de um verdadeiro desfile de carnaval. Uma vez mais, o desconhecimento levou à interpretação sem critério e, consequentemente, à ficção, ao mito........ao erro.
Um dos grandes erros, pois, dos códigos, foi quererem legislar ao centímetro, burocratizando, complicando, tornando miudinho o que sempre se quis, e foi, simples e pragmático, que sempre foi prático e directo.
 
A Praxe em Portugal, esta mais recente, invencionada e baralhada nestes últimos anos, tornou-se mais papista que o Papa e pormenorizou exaustivamente sobre coisas e matérias sem real interesse, que não eram, nem são, essência - traduzindo-se tal em quantidades de artigos e mais artigos que tem tanto de inútil e pesado, quanto, muitas vezes, de ridículo (e de errado), em detrimento de questões bem mais importantes. Por outro lado, legislam sem explicar coisa nenhuma, o que é outra coisa que não se entende.

Veja-se, por exemplo, que, em certos casos, os códigos obrigam à colocação de certos emblemas, depois misturando os que são próprios da vida académica com disparates como o emblema da terra da mãe e o emblema da terra do pai.
Justificação para tal? Nenhuma que não seja a invenção de quem decidiu que era assim, porque sim, porque lhe pareceu. Explicação preto no branco do porquê e origem dos emblemas e adequação das práticas e regras à Tradição?  Nenhuma, claro está.

Obviamente que quando se desconhece, mais facilmente se inventa e, na cópia da cópia, no "acrescentar pontos ao conto", se vai delapidando, desvirtuando o paradigma e o que é genuino na Tradição.

COMPRA/OFERTA
 
Outro mito, resultante desse desconhecimento é, em diversos casos, a ideia propalada de que os emblemas não se compram, mas são recebidos por oferta, ou seja que os estudantes só podem colocar na capa os que lhes forem oferecidos (comprados por outrém), coisa que, além de errada, se reveste de algum ridículo.
Com efeito, não há, segundo a Tradição, qualquer determinação que limite a forma como os emblemas se adquirem, tanto podendo ser comprados ou ofertados.
Muito menos a questão de terem de se colocar em nº ímpar (regra que aplicada a botões e afins, se quis estender a tudo, sem muitos sequer perceberem que simbologia/superstição encerra).
Que o valor do nº ímpar tenha a sua razão (que aqui não importa discutir, mas sobre o qual pode o leitor AQUI procurar o artigo respectivo), pois assim seja, mas que se queira meter a questão dos emblemas, parece-me artificialismo, quando nunca isso foi determinação do uso, do costume, da praxis original.


A ORIGEM, A PRAXIS
 
O uso de emblema na capa  remonta, grosso modo, aos anos 30/40, mas restringia-se quase só ao monograma da Briosa (datado de 1929) que os jogadores usavam no equipamento. Sendo eles quase todos alunos da UC, passaram a cosê-lo também nas suas capas.
Rapidamente os adeptos e simpatizantes fizeram igual.
Na década de 1940 ,os orfeonistas também o começam a coser na capa o emblema do Orfeão, por dentro da capa. Nos anos 50 aparecem o Coro Misto e o Coral das Letras, que replicam as práticas anotadas para os anos 30 e 40.

Será essencialmente com a influência das Tunas espanholas (por contágio da “moda mochilera” e dos inter-rails, nos anos 60-70 e seguintes) que, a partir dos anos 80 do séc. XX (boom das tunas e das tradições académicas em Portugal), se generaliza o uso de emblemas nas capas.

Com efeito, era costume os jovens viajantes colocaram nas malas ou mesmo nas caixas de instrumentos (e até nos próprios), autocolantes com os emblemas das cidades/instituições visitadas (e/ou países).
É esta a origem dos emblemas no contexto da recuperação das tradições académicas, operado a partir dos anos 80 do séc. XX; um costume rapidamente aculturado pelos estudantes portugueses, com especial incidência nos tunos.
 
Os tunos compravam nas lojas de "souvenirs" os emblemas locais (cidade, país) e, muitas vezes, também, os recebiam das tunas congéneres ou instituições visitadas os respectivos escudos/emblemas (ou também os compravam na loja associativa, na reprografia ou secretaria caso existisse).
Uma vez mais, se verificou, e verifica, a contínua troca de usos e costumes que, entre Tunas e Praxe se foi operando, sendo, neste caso, a Praxe a (re)inspirar-se na tradição das Tunas (neste caso das do país vizinho).


Sobre esta questão dos emblemas, recupero, ainda, o avançado pelo historiador António M. Nunes, o maior especialista em questõesde trajes e etiqueta académica que temos em Portugal, e que colabora muitas vezes com o N&M:

"A UC tem heráldica e cores institucionais consagradas nos vários estatutos. A par da heráldica oficial (faculdades, cursos, cadeiras), os estudantes de Coimbra inventaram no século XX inúmeros selos e emblemas para a sua associação de estudantes, grupos corais, tunas, etc. Estes últimos são em geral bicolores (apenas admitem preto e branco) e podem estampar-se em crachás e pines. O motivo mais comum em todos eles é a Torre da Universidade. O mais antigo é o da Académica, Equipa de Futebol, desenhado por 1929 (se não me falha a memória), que das camisolas dos atletas passou poucos anos depois para a bandeira e papel timbrado da AAC.

 O emblema da Académica/Equipa de Futebol começou a ser usado primeiramente nas camisolas. Como a maior parte dos futebolistas da Académica estudavam na UC, estes começaram a usar o emblema futebolístico no canto interior direito e ao fundo da capa. Na segunda metade da década de 1930 criaram-se em Coimbra várias claques de apoio à Académica e estes grupos de adeptos também começaram a coser na capa, por dentro, o emblema da Académica, sempre em tecido estampado preto e branco.

 Na década de 1940 afirma-se o emblema do Orfeon e os orfeonistas também o começam a coser na capa, por dentro. Nos anos 50 aparecem o Coro Misto e o Coral das Letras, que replicam as práticas anotadas para os anos 30 e 40.

 Após 1974, com a fundação da Estudantina aí por 1984 tudo muda. Os emblemas passam a ser multicolores e abrangem um universo ilimitado de representações: escudo de Portugal, clube de futebol, município, curso, cidade visitada em digressão...

 Cheguei a Coimbra em 1985 e por essa altura havia uma "guerra" de palavras entre os praxistas que condenavam o uso abusivo de emblemas e os que defendiam a liberdade de uso de emblemas. A matéria chegou a ser regulada pelo Conselho de Veteranos, mas a corrida aos emblemas continuou.

 A par dos emblemas que acabo de referir há ainda os distintivos oficiais que decorrem dos estatutos e da cultura greco-latina. A Reitoria tem selo próprio e cor oficial (verde). Cada Faculdade tem cor própria e distintivo. O distintivo de uma Faculdade é sempre um deus ou uma deusa greco-romano, com determinados atributos. Dentro de cada Faculdade, cursos há que têm representação autónoma como Música, Geometria ou Astronomia.
A partir das insígnias da alegoria masculina ou feminina a tradição autoriza criar distintivos que a UC representou em pinturas de tectos, paredes, e os alunos podem usar em crachás, pines, alfinetes e emblemas. Por exemplo, num crachá alusivo à Faculdade de Direito, não se figura a deusa Justitia, mas apenas a espada e a balança no interior de uma moldura oval ou circular de folhas de louro. Esta matéria não tem sido alvo de estudos e a própria UC não tem publicado um manual ou regulamento de haráldica, símbolos e alegorias.
Os códigos de praxe também não regulam a matéria. Na prática o que acontece é que os cursos inventam pseudo distintivos kitsch que não obedecem às normas heraldísticas. Há muitos exemplos. Posso citar emblemas com uma língua humana a sair de um medalhão circular, que supostamente quereria significar um curso de línguas e literatura. Ou uma serpente enrolada numa palmeira, que supostamente representaria Farmácia, quando na verdade representa uma farmácia de venda de remédios. Ou o escudo/euro que supostamente representaria Economia.

Em suma, 50% dos distintivos de curso, mesmo os que existem na UC, são puras invenções kitsch sem fundamento heraldístico nem suporte na cultura greco-romana."


NA CAPA

A Tradição manda, pois, que o estudante, que assim o deseje, e sem haver nº mínimo ou obrigatório, nem ordem de colocação, coloque na sua capa (seja à sua conta ou também por oferta):
 
- os emblemas/escudos da cidade/país de origem;
- cidade/país onde se cursa (União Europeia, também);
- instituição e/ou faculdade frequentada;
- curso em que se está/esteve (pois há quem mude de curso);
- instituições a que se pertença, no estrito âmbito académico (nada de colocar o da associação cultural lá da terra só porque se foi, ou é, vogal da direcção ou mero sócio);
- emblemas das cidades/países e instituições/grupos visitados/contactados em representação oficial académica (visita da de estudo, Erasmus, digressões da Tuna ou de outro grupo ou associação de índole académica).


Relembramos, uma vez mais, que não existe nenhuma obrigatoriedade em pôr todos estes emblemas, seguir uma determinada ordem (por norma, é cronológica apenas) ou pôr um nº X mínimo. O que dita a Tradição é que seja este o âmbito da colocação, seja este o princípio basilar. Quem só quiser colocar 1 emblema põe apenas um; quem quiser colocar 3, põe 3 e quem quiser colocar 50 (acontece muito com os tunos) mete 50. Deve é a colocação obedecer ao princípio acima enumerado, dentro do estrito âmbito académico e tradicional.

Também, se verifica, em muitos casos, o uso do emblema do clube do coração, embora seja, concedamos, um despropósito (pois nada tem a ver com a vida académica - tal como o não são as questões de preferência religiosa ou política).
Contudo, há que diferenciar, por exemplo, a ligação existente, formal, entre academia e desporto (extra-académico), quando, por exemplo, o clube local está fortemente ligado aos estudantes, como é o caso da Briosa em Coimbra (que é organismo pertencente à AAC).
Exceptuaremos, a título de exemplo, o caso dos alunos que joguem numa equipa desportiva da Associação Académica e que, naturalmente, podem colocar esse emblema, caso exista.

Todos os demais emblemas, que não representem formalmente a actividade académica do estudante (no associativismo/organismos académicos oficiais ou em âmbito pedagógico - as referidas visitas de estudo ou intercâmbios científicos/culturais) são circo, carnaval, invenção. Assim, emblemas da terra dos pais e outros tantos não têm âmbito ou precedente académico que justifique constarem numa capa estudantil (ou outra peça do traje, chame-se ela como chamar).
O mesmo dizer dos emblemas que dizem "Praxe" ou com bonecos alusivos à praxe, ou os que identificam o "Finalista" (a identificação do finalista faz-se através das insígnias pessoais e não com um rótulo na capa), salvo o monograma do organismo de Praxe a que se pertence ou está ligado.

Em suma,

Sejam eles 3 ou 30, comprados ou oferecidos, importa é que eles traduzam o real exercício da cidadania académica e não carnavalescas desculpas para enfeitar a capa (que ela não é árvore de Natal ou a parede lá do quarto de um qualquer imberbe teenager).

Quem quiser respeitar a Tradição, observará a mesma. Quem preferir outros caminhos, mesmo que consignados em código, fá-lo-á, ciente de que está a seguir invenções.
Não é por um erro estar consagrado num código, disfarçado, assim, de lei, que tal o legitima ou o torna numa virtude (e muito menos numa tradição).
E é pena que os legisladores, os praxis-makers, nunca se tenham dado ao trabalho de pesquisar a origem dos emblemas, para adequarem devidamente as regras de uso.

Mas lá está: quando nem os líderes sabem de Praxe e Tradição, o exemplo a seguir pelos demais é quase sempre o que sabemos.

quarta-feira, agosto 03, 2011

Notas Burlescas (Burra Praxis Sed Praxis)


Uma pequena sucessão de episódios imaginários, de pequenas sátiras, reproduzindo, apesar de tudo, situações similares que ocorrem na vida real, no dia-a-dia da praxe, e em muitos fóruns dedicados/sobre tradições académicas.

Como o leitor perceberá, ridiculariza-se, aqui, o saber assente no “ouvi dizer”, no “acho que”, a verdadeira ignorância e iliteracia que reina no meio académico acerca da sua própria vivência, história e significado.

"doutores" destes, infelizmente, há muitos (como os “chapéus” do Vasco Santana), assim como demasiado poucos caloiros verdadeiramente interessados em saber e perceber, ao invés de meros reprodutores acéfalos.



Na Recepção ao caloiro

(Caloiro) - Sr. doutor, para que servem estas actividades que mais parecem jogos tradicionais ou os que eu fazia nos escuteiros e grupo de jovens da minha paróquia?
(doutor) - Isto, meu burro, é praxe! Serve para te integrares.
(caloiro) - Então e dizer palavrões, gritar e andar de quatro, andar a rebolar pelo chão e esfregar-me nos colegas também é praxe?
(doutor) - Claro, meu anormal! No final vais ter saudades e ver que conseguiste arranjar muitos amigos!
(caloiro) - Ora isso é um pouco tontice, porque até agora safei-me bem a arranjar amigos e amigas, e nunca fui praxado, e ao mais andei num liceu com perto de 3 mil alunos.
(doutor) - Caloiro é estúpido. Isto não é o liceu. Aqui é assim e não é para meninos da mamã ou gajos que têma mania que sabem tudo! Tu, meu anormal, estás na minha lista negra. No tribunal de praxe vais pagá-las!

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(Caloiro) – Sr. doutor, por que andam com tesouras e colheres?
(doutor) – Porque são insígnias da praxe.
(caloiro) – E porque são da praxe (essas, e não outras)?
(doutor) – Porque é tradição, sempre foi assim. A tesoura para cortar cabelo e a colher para dar nas unhas.
(caloiro) – O meu primo disse-me que também há a moca.
(doutor) – Sim, mas isso já não se usa.
(caloiro) – Ah, mas pode dizer-me a origem desses símbolos?
(doutor) – Não são símbolos, caloiro burro, são insígnias. Se queres saber, lê o código.
(caloiro) – Mas, lá não diz!
(doutor) – Se não diz, é porque não é para saber!
(caloiro) – Então o Senhor doutor não sabe!?
(doutor) – Já de 4 e a encher! Um tribunalzinho é o que vais ter por te armares em chico-esperto e vires com esse nariz empinado.
(caloiro) – Desculpe, não era intenção. Já agora, que é isso de tribunal e de onde vem essa coisa de fazerem tribunais?
(doutor) – Acho que te vais declarar anti-praxe, antes do dia acabar! Está a encher! Olha-me esta ameba: queria saber o que sei. Era o que faltava: ficar a saber tanto como eu.


Na Latada

 (Caloiro) – Sr. doutor, por que vamos todos assim com latas?
(doutor) – Porque é tradição, é a apresentação dos caloiros à cidade.
(caloiro) – Ah, que giro! E desde quando se faz aqui? De onde vem a tradição da latada e do baptismo?
(doutor) – Já se faz há muitos anos, é uma tradição muito antiga que nasceu em Coimbra.
(caloiro) – E pode explicar-me essa origem? É que o código não diz.
(doutor) – Com que então armado em curioso; o espertinho a querer saber mais que os outros? Vê lá se levas com a moca na tola! Toca a andar e a cantar, a abana-me essas latas! Queres saber? Vai à Wikipédia!


Na Serenata da Queima

 (Caloiro) – Sr. doutor, tenho aqui uma dúvida: qual a origem da Serenata Monumental (que abre a Queima)?
(doutor) – Eh pá, isso tem muitos, muitos anos. É uma tradição que veio de Coimbra.
(caloiro) – Pois, mas como assim?
(doutor) – É uma questão de pesquisares.
(caloiro) – Mas acho uma coisa estranha: sempre tive a ideia que serenata era cantar à janela de uma donzela, cantar o amor, tentar conquistar a nossa amada, só que estes tipos cantam fados e baladas que falam do adeus à faculdade e outras coisas do género.
(doutor) – É, mas isso são serenatas diferentes.
(caloiro) – Como assim?
(doutor) – Umas são para conquistar e outras para a despedida.
(caloiro) – Mas chama serenata a ambas. De onde vem essa tradição de serem diferentes?  Procurei no código, mas nada!
(doutor) – Shuuuut, na Serenata não se fala! E não aplaudas, que não se bate palmas na serenata.
(caloiro) – Não se pode bater palmas? Então, porquê? (a malta não pode aplaudir, mas fala alto e fuma, bebe e faz barulho....)
(doutor) – Ira, cala-te e sente este momento, ou ainda te traço a capa de maneira a esganar-te! Olha, vou mas é ali à barraca beber um fininho que isso é que é fado!



Na Queima

 (caloiro) – Ó senhor doutor, diga-me uma coisa: agora que estou todo aperaltado, gostava de saber de onde vem o traje que usamos e que chamam capa e batina, porque este casaco não tem nada de batina, que batina é a que usavam os padres antigamente, não era?
(doutor) – O traje vem de há muitos séculos, de quando eram os padres a mandar na praxe.
(caloiro) – Ah…… (?!?), pois…… mas olhe lá: por que razão é assim?
(doutor) – Simples: o traje é igual para todos porque assim não há ricos e pobres.
(caloiro) – E por que razão é de cor preta? E qual o significado da nossa capa?
(caloiro) – É para não se sujar tanto; e a capa, também preta, era para, noutros tempos, fugir à polícia universitária ou então andar escondidos em trupes, na noite, à caça dos caloiros.
(caloiro) – É que eu fiz como disse e fui pesquisar, mas encontrei também explicações que dizem que não é nada assim, que o traje não foi para tornar todos iguais, que a capa e batina veio substituir o traje clerical (e por isso não é continuação dele) e que o traje foi criado como uniforme; que o preto tem a ver com os votos do clero e que a capa até esteve para ser abolida; e é usada como mera peça de resguardo……
(doutor) – Olha-me este gajo! Mal acabado de trajar já pensa que sabe alguma coisa. Ó meu granda cromo, a praxe não se aprende nos livros, mas no dia-a-dia. O que precisas de aprender ouves da boca dos teus superiores, o resto não interessa.
(Caloiro) – Mas, eu farto-me de colocar perguntas e só me respondem que é assim ou assado, porque sim ou porque sopas, sempre com explicações que não esclarecem(só sabem dizer que é antigo e vem de Coimbra). Além disso, para que serve o código se não explica o porquê das coisas?
(doutor) – Ó meu amigo, estás-te a habilitar a uma sanção de unhas. Aqui não importa perceberes. Deves ver como fazemos e depois fazes o mesmo. O código é para dizer o que podes e não podes fazer, quando, onde e como.
(caloiro) – E quando é que sabemos que fazemos bem ou mal; quando há coisas que não sabemos, sequer, por que as fazemos (e o código não explica)?
(doutor) - É uma questão de bom senso. Com mais um ano em cima e ficas a perceber, que agora estás muito verde nestas andanças.
(caloiro) - Estou a ver: É  o obscurantismo medieval: quanto mais burro e obediente melhor, que saber alguma coisa pode perigar a ignorância revestida de sapiência!
(doutor) - Heim?
(caloiro) - Nada, nada!


Na noite de Tunas

 (caloiro) – Isto das tunas é muito fixe!
(doutor/tuno) – Gostas?
(caloiro) – Adoro.
(doutor/tuno) – É uma das mais antigas tradições da praxe; e tem praí uns 600 anos!
(caloiro) – Hum? Li algures que isso era invenção e que as tunas tinham nascido no séc. XIX.
(doutor/tuno) – Tás enganado, pá. As tunas vêm dos goliardos e dos sopistas; e há quem diga, até, que vieram da Tunísia, inspiradas por um Califa que era um boémio.
(caloiro) – E quem disse, e em que obra, para eu consultar?
(doutor/tuno) – Mas importa, isso, alguma coisa? Estou-te eu a dizer, e foi assim que me disseram; e todos sabem que é assim.
(caloiro) – E nunca procurou saber se era mesmo assim? Não se podem ter enganado?
(doutor/tuno) - Já ando nisto de tunas há uns anos, por isso percebo da coisa, tas a ver?
(caloiro) – Também falo e escrevo português desde que nasci e isso não quer dizer que perceba de linguística ou de gramática (apesar da minha mãe ser prof. de português), que tenha um curso de literatura (eu que até sou de engenharia).
(doutor/tuno) – Ó meu, vê se atinas e te deixas de manias. És algum marrão que encontra todas as respostas nos livros? Achas que é lá que vais encontrar resposta a tudo?
(caloiro) - A tudo não, mas também estou a ver que a mera prática não chega, e que praticar o que não se percebe é algo…….
(doutor/tuno) – Está a encher, bicho d’um raio! Olha-me o puto a desafiar-me e por em causa o meu saber! Era o que mais faltava. Vou chamar o teu padrinho que ele vai-tas cantar!

Na imposição de insígnias

 (Caloiro) - Sr. doutor eu já li o código, sei como se processa, mas tenho uma pergunta: de onde vem esta tradição de queimar o grelo, de por o grelo na pasta, de soltar as fitas, etc.? Além do mais por que se chama queima das fitas se elas não são, afinal queimadas?
(doutor) – Nós fazemos isso, aqui, já há muito tempo, mas a origem é da praxe de Coimbra.
(caloiro) – OK (é sempre a mesma resposta), mas qual o significado desses momentos, qual a sua história para que ainda hoje se repitam?
(doutor) – O que sei é que é para assinalar a passagem de uns anos para outros, basta leres o código e vês que nuns anos impõem-se uns nos demais outros, que simbolizam que vamos avançando na praxe.
(caloiro) – Não era bem isso…
(doutor) – Cala-te e olha; a ver se aprendes! Já te disse que é olhando que aprendes e percebes!



 Termina-se com a seguinte citação:

"Há tantos burros mandando em homens de inteligência,
que ás vezes fico pensando, se a burrice não será uma ciência."

                                                 '' António Aleixo'

ou, adpatando:

"Há tantos burros mandando em caloiros
que às vezes fico pensando, se a burrice não será praxe"