terça-feira, agosto 21, 2012

Notas à Raposa de Coimbra

Não se trata de uma qualquer classificação de uma nova espécie pertencente à família Canidae, mas da famosa "raposa", que prefigura o chumbo,  de que tantos já terão ouvido falar na famosa canção "O Afonso", de António Vicente,  cantada pela Estudantina Universitária de Coimbra (contante no disco "Estudantina Passa", de 1985) :

"Andava tão comprimido
Mal podia respirar
O ano estava perdido
E a raposa a espreitar (...)"


Qualquer estudante de Coimbra que se preza ouviu falar desta "raposa", figura matreira e esperta que simboliza o insucesso escolar, naquele argumento falacioso, e raramente justo,  de algo que não se esperava ou da sorte que nos foi avessa, como que "de propósito", ou do lente que tem numerus clausus para dar positivas, daquele que atira os pontos ao ar e classifica conforme a geografia onde cairam, ou simplesmente que "nos quis lixar a vida" porque nos apanhou "de ponta".
O Afonso, esse, percebeu que só estudando a sério, conforme reza a música, teriqa sucesso (que logrou alcançar, por fim, para orgulho do pai que já tinah um filho doutor).


Foto de Zé Veloso
A Raposa significa o temível chumbo. Certo. Mas por que razão, quando até é uma criatura que nem inspira o medo que outras mas "cotadas" costumam desempenhar (só mesmo os lavradores que viam na raposa um sorvedouro de galinhas e outros animais domésticos)?

A resposta é simples:


Quando se vai da Via Latina para os Gerais, existia, e ainda existe, um espaço onde antigamente os estudantes aguardavam para serem chamados a realizar os exames orais.
Tal espaço possui um painel de azulejos pintados com motivos bucólicos (flores, coelhos, uma construção que se assemelha a um moinho ea  raposa).
Precisamente junto à porta pela qual se acedia para a sala dos exames, um dos azulejos representa uma raposa.
Como sucede em qualquer sítio, qualquer parede era bom encosto para (des)esperar, enquanto aguardavam a vez para prestarem provas.
Claro está que todos os que chumbavam atribuíam tal à "má sorte" de se terem encostado à "raposa" ou estado perto dela, numa superstição que ganhou raízes e que será, porventura, das poucas, senão única, superstições que ganhou contornos de tradição e ícone na Praxe e memória colectiva dos estudantes de Coimbra.
Foto de Jotta Leitão


Já a moda de pontapear o azulejo com o bicho parece ser relativamente recente. Testemunhos reportam que a figura era inicialmente afagada, na intenção mística de obter as suas boas graças - isto nos anos 1940-50. Mais tarde, já provavelmente da década de 60 em diante, alguns começaram a mimar o canídeo com  1 a 3 pontapés (pondo em causa a própria integridade do azulejo), embora não estejamos em crer que seja propriamente uma praxis generalizada (que Lamy nem sequer refere) - e ainda bem. Tal prática pretenderia, afastar o malfazejo chumbo  e afastar a raposa numa espécie de "Vade Retro". Outros relatos, também recentes, refere que alguns estudantes, à socapa, costumavam cuspir para cima dela - mas numa prática que seria pontual e já como represália pelo chumbo obtido (e não como medida preventiva).
Superstições à parte, creio ser importante preservar o icónico azulejo que não tem culpa de coisa nenhuma.

Deixo aqui um pequno artigo que fala de um grupo de alunos que fez greve às aulas (parece ter a ver com algum tipo de braço de ferro com os professores), com os lentes acusados de se vingarem de tal afronta, chumbando os alunos que tinham aderido.
No artigo, já bem antigo (1886), é usado o termo "rapozas", como sinónimo, claro está, de chumbos, negativas ("negas"), reprovações.....

 Jornal A Liberdade (Viseu), de 02 Julho de 1886, 16º Anno, Nº 813




Nota: artigo actualizado com foto recente de Jotta Leitão, em 2015.

4 comentários:

Zé Veloso disse...

Muito bem caçado!
Há qualquer coisa que me bate por aqui na cabeça, sugerindo-me que já antes ouvira esta história. Mas se ele é isso, estava tão bem escondida por debaixo de outras histórias mais recentes que já não me lembrava dela...
Caro amigo, pf continue a investigar e a divulgar.
Um abraço,
Zé Veloso

Anónimo disse...

óptimo artigo, não deixa de ser notório o desgaste do azulejo em causa, isso deve-se ao hábito ou costume de - pelos vistos - os alunos darem um pontapé quando as coisas corriam menos bem, ou de forma a correrem menos mal...

Paulo

Isabel Moura disse...

A raposa era pontapeada quando se passava no exame, era o esconjuro da dita.

Mariana disse...

Na verdade, pelo que me contaram durante uma visita aos espaços de importância académica de Coimbra durante uma praxe do concilium, a raposa é pontapeada 3 vezes com o pé direito para desejar boa sorte no exame, eu própria o fiz para a frequencia de anatomia! A ver se resulta :)