quarta-feira, setembro 19, 2012

A Troça Coimbrã......ecos do passado

Mais uma vez me socorro do saber alheio, mais uma vez trago a lume o que o dileto João Baeta, publicou no Penedo d@ Saudade Tertúlia (página do Facebook) sobre a antiga Troça praticada sobre os novatos.
Já anteriormente nos tínhamos debruçado sobre a troça ("Notas de Imprensa ao Canelão e à Troça de 1898" e "Notas de Imprensa à Troça de 1890 "), e eis mais um conjunto de informes valiosos.
Os contributos do João Baeta têm sido inestimáveis ao tirar do esquecimento o vasto saber livresco (edições entretanto desaparecidas de circulação) e ao partilhá-lo com todos os curiosos e aficionados destas matérias.


Elucidativo, sem sombra de dúvida:



“Passatempo favorito dos estudantes era a troça, sob diversas formas.
Pelo alvará de 23 de Setembro de 1539 vê-se em que consistia a troça dentro das aulas:
«Alguns estudantes não esguardando o que cumpre a seu habito e á sua honra desses estudos, por algumas leves causas que a isso os movem, estando nas escolas ouvindo os lentes, pateiam com os pés e batem com os tinteiros aos que vão tarde e a outros».



Mais tarde Verney, no seu Verdadeiro método de estudar, notava ainda que os estudantes embaraçavam a entrada de visitantes nas aulas, raspando com os pés no chão, costumeira que ainda se usava no meu tempo de estudante.
Alguns usos caricatos, em algumas procissões, eram largamente explorados pela veia trocista dos estudantes, apesar do fanatismo religioso de aqueles tempos. Tais eram: danças profanas intercaladas nas procissões, taboleiros de pão (fogaças), à cabeça de mulheres aparatosamente vestidas e decotadas, etc.
A procissão de Corpus Christi, acompanhada de danças, jogos e figuras impróprias, era com frequência perturbada por scenas escandalosas, como sucedeu no ano de 1724 (mais tarde em 1842, etc.); mas a procissão que mais troça provocava era a chamada procissão dos nús, que saía do mosteiro de Santa Cruz, no dia dos Santos Mártires de Marrocos (16 de Janeiro). Dos arredores de Coimbra acudiam numerosos penitentes, nús da cinta para cima, que acompanhavam as relíquias dos Mártires; os estudantes durante o trajecto dirigiam-lhes chufas, e davam-lhes repelões tremendos. Teve por fim de intervir o bispo com uma pastoral severa, proibindo que se incorporasse na procissão quem não estivesse decentemente vestido.
Por ocasião do ponto havia as soiças (mais tarde latadas), de tal maneira ruidosas, que tiveram de ser proibidas por carta régia de 4 de Julho de 1541.





(Teixeira Bastos: 1920:17/18)


Sobre a PROCISSÃO DOS NUS:

«A comunidade religiosa e civil consignou o dia 16 de Janeiro como dia santificado e feriado, por neste dia se efectuar a Procissão dos Nús, de bastante concurso de gente, iniciada no rocio de Santa Clara, junto ao Convento de S. Francisco da Ponte, e a terminar na igreja do mosteiro crúzio.
A Procissão dos Nús advém de um voto e promessa de um cidadão de Fala, arrabaldes da cidade em 1423. Aquando de uma epidemia de peste, prometeu o cidadão aos Mártires, no caso de cura dos filhos, todos os anos ir em procissão com os filhos nús de cintura para cima e joelhos para baixo rezar a Santa Cruz. O feito materializou-se e a devoção divulgou-se, verificaram-se muitas adesões e no século XVIII constituía uma das maiores procissões de Coimbra. No entanto, pouco depois degenerou em algo com desacatos e actos desonestos, o que levou o bispo de Coimbra, D. Francisco de Lemos Pereira Coutinho, no ano de 1798, a determinar a suspensão.»


(http://www.mensageirosantoantonio.com/messaggero/pagina_articolo.asp?IDX=82IDRX%3D16 , acesso em 04/09/12)


SOIÇAS:
«Em carta régia de 4 de Julho de 1541 proíbem-se as soiças dos estudantes: “quanto à soiça muito custosa que alguns estudantes este ano fizeram de que vos escandalizastes por não ser coisa de estudantes, hei por bem, havendo respeito ao que dizeis que se não faça mais e vós lhe defendei”. Pela época da proibição se infere que a soiça seria o divertimento por ocasião do ponto, que ainda hoje se pratica, e a que se dá o nome de tocar as latas.»



(Teófilo Braga, História da Universidade de Coimbra, vol. I, p. 478.)

« Em certos dias do anno, especialmente pelos Reis Magos, organizavam-se em Coimbra festas nocturnas, as soiças, em que os estudantes appareciam com os fatos do avesso ou cobertos de farrapos, mascarados e livres, por antiga praxe, de toda a intervenção das auctoridades.
Havia excessos e abusos com largueza que uma provisão regia (1541) cohibia, não permittindo as soiças para o futuro, por serem muito dispendiosas e impróprias de estudantes, e ainda outras providencias se succederam sem resultado efficaz.
As soiças morreram com o tempo, mas dellas devem derivar ainda as latadas no dia do ponto que nalguns annos têem resurgido de improviso, ruidosamente.»
Hipólito Raposo
Coimbra Doutora
Coimbra: França Amado, 1910 - Pág. 40/41               


------------------------------N.B.1: “Reis Magos” é o dia dos Reis que ocorre em 6 de Janeiro

N.B.2: A denominação vulgar “árvore-de-ponto” do Liriodendron tulipifera tem raízes académicas?
Esta designação é tipicamente lusa e tem a sua origem em Coimbra. “Ponto” no contexto escolar refere-se ao encerramento das aulas. A denominação está relacionada com a época de floração desta árvore (em Maio) que ocorre quando as aulas escolares findam.

http://cct.portodigital.pt/gen.pl?sid=cct.sections/1515105&fokey=cct.jardins/306 (acesso em 19.09.12)
 




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