quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Notas a Códigos de Praxe I (UBI)


 

Um primeiro (de vários) artigo, que pretende fazer análise-reflexão sobre o que registamos por este nosso país fora no que concerne a Códigos de Praxe - os quais precisavam de revisão, feita por quem tivesse por finalidade, separar o acessório do essencial, procurando, também, reaproximar alguns conceitos e noções aos modelos originais de que são sucedâneos.

Neste primeiro caso, escolhi um código que, de uma maneira geral, nem está mal feito (embora esteja mal organizado, na sequência dos assuntos a meu ver), para evidenciar que mesmo um código que parece estar  bem desenhado, pode conter inúmeras falhas, imprecisões e muitos equívocos.

Neste caso, uns reparos ao Código da Praxe da UBI de 2012 (http://pt.scribd.com/doc/105052281/Codigo-de-praxe-UBI-2012), para dizer que é:

 
- Um código que define a Praxe como sendo, e passo a citar, "... todo o tipo de atividades lúdico-recreativo praticadas individual ou coletivamente, e orientadas por um ou mais praxantes [aqui temos um novo termo: “praxantes”] de forma adequada ao enunciado neste código.".
Parece claro o equívoco de não se saber distinguir devidamente Praxe de "praxes", chegando a entender as “praxes” como jogos de escuteiros e afins, e até consegue complicar ainda mais a coisa ao dividir esse conceito em 3 tipos de "Praxe": “básica”, “superior” e “laudem”;

Damos uma ajuda:

 

 

- Um código que diz que um objector de praxe é o mesmo que um anti-praxe e que, por isso, não pode ir à bênção de finalistas, usar traje e participar em qualquer acto académico.
Mais ainda: um código que aceita que as pessoas não sejam "pela Praxe" pedindo, ainda assim (e bem), que pelo menos a respeitem, contudo não demonstra, por sua vez, essa mesma atitude para com quem não quis ser humilhado nas praxes.
Se é pedido respeito, seja igualmente respeitada a diferença, ao invés de se ostracizar uma pessoa que não quis ser praxada (porque muitas supostas “praxes” estão longe de ser sequer aceitáveis), proibindo-a de exercer a sua cidadania académica (pois que tem direito a ir aos actos académicos e a trajar, ao contrário do que se apregoa);

 - Um código que diz, e bem, que não é aceitável a "violência gratuita", contudo deixando em aberto que outro tipo de violência (justificada) o pode ser. Uma incoerência ridícula.
- Um código que determina que quem abuse será punido pelas suas instâncias, mas em lado algum determina o que não são praxes e o que não é Praxe, não definindo a fronteira entre aquilo que é aceitável em Praxe e aquilo que é abuso e crime - e deve ser denunciado desde logo às autoridades (PSP, GNR...).
Tanta coisa com a tal Carta de Princípios do Conselho Nacional para as Tradições Académicas (se bem se recordam da pompa e circunstância mediática), mas, depois, na prática, nos códigos...... népia! Neste particular, mais uma vez parece ser o o adágio do "Olha ao que digo, mas não ao que eu faço!".

 - Um código que pretende usar o latim (macarrónico) sem procurar fazé-lo secundum praxis, pois consagra a frase "avemus praxis", quando o termo é "Habemus" (avemus é derivado de quê, de "avé"?).
Num segundo exemplo, temos a expressão "IN NOMEM PRAXIS AVEMUS PRAXIS", quando o termo a usar é "In NOMINE"!!!. Quando não se sabe ou tem certeza, pergunta-se a quem sabe, digo eu;

 - Um código que determina regras e nomes para quem nem sequer é da UBI ou nem é estudante da mesma, como os graus de "Canen" (estudantes não matriculados na UBI), "Pastores" (que apenas exercem funções na UBI – e que devem ser os funcionários). Claramente, aqui, um excesso de zelo ao entrar numa ”jurisdição alheia”  num querer ser mais papista que o Papa;

 - Um código que chama "mestre a um aluno de 2 matrículas" (uma expressão que, cuidado, não significa expressamente um grau de ensino), e que será algo exagerado, e depois mistura nomenclatura do império romano (cuja inspiração parece algo forçada, pois a Covilhã não reclama mais romanização ou figura romana que qualquer outra cidade) com a da maçonaria (Grão-mestre...) o que não deixa de ser bastante confuso;  ou que chama veterano a um aluno apenas com 4 matrículas, tornando equívoca a própria significação linguística, histórica e tradicional do termo.
Nesse capítulo das designações hierárquicas, estamos perante um caldo sem nexo, onde se introduz na linguagem e tradição estudantis coisas que nunca com ela tiveram a ver (ler AQUI);

 - Um código que proíbe os caloiros, mesmo que  apenas durante uma primeira fase do seu "estágio", de permanecerem numa valência da instituição (na qual nem sequer é permitida praxe), como é o caso do bar, por mais de 15 minutos. Só não se percebe como não se lembraram de fazer o mesmo para as casas de banho ou não determinaram tempo máximo para permanecerem nas cantinas.
Não ocorreu aos "praxis maker" que alimentar-se é também uma necessidade fisiológica para a qual cada um tem o seu ritmo?

 - Um código que proíbe os caloiros de trajarem antes da Serenata, num perpetuar e alimentar de um mito sem fundamento histórico algum. O caloiro sempre trajou, porque o traje é uniforme estudantil (ver AQUI).
Um traje que é vedado a estudantes em função de normativos praxísticos é um traje que nunca pode ser considerado académico (ver AQUI).


 
 - Um código que proíbe os antigos alunos da UBI de usarem traje académico, excepto em organismos reconhecidos pela AAUBI, esquecendo-se que antigos alunos podem associar-se em organizações de antigos alunos em que o traje possa ser a indumentária escolhida, sem precisarem, para tal, de reconhecimento de instância estudantis (quando eles próprios não são estudantes). Por outro lado, os antigos alunos não estão abrangidos pelo código, daí que a haver esse tipo de situação, ela está fora da alçada do código;

 - Um código que chama "Melícias" às trupes, quando o termo a usar é "MILÍCIAS" (com I)!! Também aqui, quem fez o código mostrou descuido nestes pequenos pormaiores;

 - Um código que preconiza um traje próprio, mas carece de explicações inequívocas sobre as modificações das peças que o compõem. Num ou noutro caso apenas uma muito superficial explicação sobre a inspiração/proveniência. O que não há é evidência entre a peça em que foi inspirado e a peça final do actual traje (por exemplo com fotos, desenhos…).
Também não se conhece qualquer estudo publicado e público sobre o traje e que tenha servido, por exemplo, para o justificar tal qual ele é. Uma falha, a meu ver, quando se reclama historicidade etnográfica. Se vemos tantos lapsos no que concerne a Tradições Académicas, claramente que colocamos fortes reservas e dúvidas sobre certas “explicações” de teor etnográfico. Não nos quer parecer que tenham sido especialistas no assunto que, na altura, trataram deste processo. O traje merece todo o respeito, mas os pressupostos do mesmo é que levantam fortes reservas.

Por outro lado, não é próprio de um uniforme corporativo, de índole estudantil, a inclusão de peças de origem folclórica ou etnográfica. Por alguma razão não existe nem no folclore nem na etnografia a figura do estudante. Não perceber isso é não apenas desrespeitar a matriz identitária do folclore e etnografia como igualmente a matriz tradicional académica (ver AQUI).


 
 
- Um código que chamam de "insígnias" a emblemas evidencia falta de rigor e induz em algumas confusões (já visíveis nos denominados "objectos"de praxe). 
Já agora, dizer que não é conceito original  só se colocarem emblemas de sítios onde se foi trajado. Ir em missão académica não implica obrigatoriamente ir trajado. É o caso de uma equipa de desporto universitário, por exemplo, ou de quem vai assistir a um congresso noutra cidade/país. Também não faz sentido restringir os emblemas de cariz religioso de assentada (mesmo se também acho que não deve haver espaço a "beatices"), pois podem existir organismos académicos de pendor religioso (Pastoral do Ensino Superior, por exemplo). Aliás, veja-se o paradoxo: o código fala  e reconhece a Bênção dos Finalistas, que tem uma natureza religiosa, mas depois proíbe qualquer emblema de contexto religioso. Claro que, aqui, deveria haver uma adenda numa explicação mais pormenorizada sobre esse “teor, contemplando, por exemplo, e como excepção, o caso que eu acima referi. Sobre a origem e correcta colocação de emblemas, clique AQUI.

 - Um código que determina que o relógio usado com traje tem de estar oculto, não se percebe muito bem o sentido de tal recomendação. Sobre o uso de relógios, cliquem AQUI;

- Um código que, pasme-se, apelida de "objectos de praxe" aquilo que correctamente se deve designar por insígnias de Praxe (ver AQUI);



 

 - Um código que coloca "rótulos" nos alunos, introduzindo "pins" (que são mais umas pequenas "placas" que outra coisa) que identificam a hierarquia, transformando o traje num uniforme militar e esquecendo a sobriedade que o mesmo deve(ria), a meu ver, ter. Pena que não optassem por reabilitar, por exemplo, o uso de fitas no braço, junto ao ombro, como era costume em finais do séc. XIX e inícios do XX, em detrimento de “chapas de identificação”. Sobre pins, cliquem AQUI;

 
- Um código que determina o uso de traje nas Tunas é não perceber que  Tunas e Praxe são coisas distintas e que a Tuna não se subordina à Praxe (vd. Manifesvum Tvnae);

 



São alguns aspectos, de muitos outros igualmente equivocados ou totalmente desadequados, deste código que mereciam revisão e reflexão, porque alimentam, por vezes, equívocos, erros, mitos e invencionismos (pois quem conta um conto.......).
Tais lapsos, erros e invenções são correntes na larga maioria dos códigos existentes (com maior incidência, até, nas instituições mais recentes) e só uma reflexão séria, um procurar razões, precedentes….permite perceber se o essencial da Tradição (existe uma matriz na qual toda a gente se inspirou e que ao servir de modelo, deve ser respeitada e preservada na sua essência e significação, mesmo quando adaptada) de modo a poder-se proceder aos ajustes necessários.
Porque há, de facto, ajustes a fazer nos nossos códigos, sob pena de se abrir espaço, em muitas localidades, à total descaratcerização da cultura e tradição estudantis.
Não se trata de cercear a liberdade da identidade própria, mas copiando modelos, não os adulterar ou inventar novas significâncias.


 

Pena que, em Portugal, quem veste o papel de “praxis maker” ou de “legislador de código” (e quem, muitas vezes, ocupa organismos que regem a Praxe) careça, tantas vezes, desse cuidado em respeitar em conhecer melhor a matriz de que a larga maioria das "tradições" são sucedâneas, evitando que na sua adopção e/ou adaptação, troquem o essencial pelo acessório ou se afastem a tal ponto do precedente que se descaracteriza a causa e o próprio efeito.

Para a UBI, que aqui "emprestou" o primeiro exemplo, um abraço, especialmente às suas Tunas!
 
Nota: Espero que os que vierem a ler este artigo e lhe queiram responder, nomeadamente os “UBIanos”, não vistam o papel de madonas ofendidas a quem não se pode fazer reparo às suas práticas e "leis", mas que, discordando, digam exactamente em quê, apresentem argumentação para tal e o façam com elevação.