quinta-feira, dezembro 12, 2013

Notas a Trajes Não-Académicos


Em idos da década de 1990, inicia-se um fenómeno, tão inusitado  quanto pandémico, de criação de trajes estudantis que visavam, na óptica dos seus promotores/inventores, conferir identidade e diferenciação face ao paradigma do Traje Nacional, conhecido na gíria por “capa e batina”.

O objectivo era emancipação face a Coimbra, e afirmação do novel burgo universitário/politécnico (quase sempre sem olhar a meios) ou sem ponderação, recorrendo-se a uma panóplia de invencionismos diversos (quase sempre pegando na Tradição e desmembrando-a para, sobre ela, enxertar novas práticas: como por um limoeiro a dar bananas - justificando que a cor do fruto é a mesma -  e pretender que são toranjas), traduzidos no cúmulo de pretender apelidar de Tradição a algo recente (um paradoxo de todo o tamanho).
A criação de novos trajes foi uma dessas expressões.
Sabemos das diversas falácias que esses panos, contudo, encerram:
 - Criados porque se dizia que a “capa e batina era de Coimbra, quando tal é falso (traje de Coimbra só no folclore).
- Criados para, supostamente, identificar a instituição e localidade (cidade/vila), quando, histórica e tradicionalmente, nunca os traje estudantis visaram tal, mas apenas identificar a condição estudantil (pois são uniformes identificativos do estatuto de estudante, apenas e só);
- Criados recorrendo à colagem/inspiração/fusão de peças do folclore ou etnografia local/regional, quando o traje estudantil existia precisamente para distinguir o estudante dos demais mesteres e classes (a figura do estudante nem sequer figura em qualquer tradição etnográfica ou folclórica), sendo por isso um contra-senso e fazer do traje precisamente o contrário daquilo para que sempre existiu.
Pior, ainda, quando alguns delinquentes intelectuais decidiram, há uns anos, mesclar o traje nacional com peças do vestuário escocês (na escócia não existe uniforme estudantil sequer), desrespeitando quer a etnografia anglo-saxónica quer, principalmente, a nossa cultura e tradição.
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Bem, mas o que hoje aqui motiva este artigo é questionar muitos desses supostos trajes quanto à legitimidade de se considerarem como “trajes académicos”.
Vamos lá então:
 Um traje académico/estudantil é, convém não esquecer, um uniforme.
Como uniforme, ele tem a exclusiva função de identificar a condição daquele que o enverga.
Assim, qualquer traje académico, neste contexto estudantil, existe para dizer que aquele e/ou aquela são estudantes.
 É essa a sua função primária e exclusiva.
 Depois, se o traje, pela sua configuração, ou por algum símbolo adicional, identifica igualmente a instituição e cidade da frequência dos estudos, isso é já outro patamar que aqui não é relevante sequer. Mas bastaria a analogia aos uniformes militares em que os soldados vestem por igual,s ó se distinguindo a sua especialidade pela insígnia na boina e no peito/braço.
 Assim sendo, como podem alguns auto-proclamados “trajes académicos” terem a distinta lata de pretenderem reconhecimento, quando o seu uso é vedado, por exemplo, a caloiros?
 Não são os caloiros estudantes da instituição em causa? Temos Apartheid praxístico?
 Como podem pretender que determinado fato seja “traje académico”, quando o código da praxe o enquadra como indumentária não permitida a quem não foi praxado (vulgo “anti-praxe”)?
 Quem se recusa a ser praxado deixa de ser estudante da instituição? Desde quando?
Como pode um traje ser apresentado como o traje dos estudante da instituição X, se existe um regime de apartheid praxístico que diz que nem todos os estudantes podem trajar; não por não serem estudantes, mas porque não partilham da mesma opção praxística de uma suposta doutrina obrigatória (ridículo, até, quando muitos dos respectivos códigos até dizem que só adere à praxe quem quer)?
Até onde nos foi possível apurar, sabemos que nenhum traje é proibido em função das convicções políticas, religiosas, cor da pele, estrato social, etc.
Então por que diabo temos uns anormais, auto-intitulados de "praxistas", que criam um regime de segregação em função de algo que nada tem a ver com ser estudante da instituição?
 Quem elaborou, em 1º lugar, e quem continua a defender esses códigoszecos tem real noção das enormes e ridículas contradições de tudo isto?
 
 Não, caros leitores, muitos dos supostos trajes que por aí andam a fazer de conta que são trajes académicos são, na verdade, equipamento praxístico, a par de outros equipamentos para a prática de actividades diversas.
Burra Praxis Sed Praxis, diríamos nós, uma vez mais, nestes casos, onde ser curto de vistas parece atributo sine qua non para se ser praxista.



Nota: Também existem casos de instituições onde se diz que a"capa e batina" não pode ser usada por caloiros ou por quem não foi praxado (por quem é anti-praxe), coisa que, obviamente, releva de uma total ignorância e perverte a tradição, pelo que ilegal tal disposição.

Sobre o Traje Académico Português, leia AQUI.

4 comentários:

Zé Veloso disse...

Meu caro, não posso estar mais de acordo!
Um abraço,
Zé Veloso

Ricardo Figueiredo disse...

Boa noite
Leitor atento e continuado acompanho a opinião
Abraço
Ricardo Figueiredo
Salatina da Alta (1936)
UC 1956/1961

Joana disse...

Boa tarde,

Sou da faculdade do IADE, que como está ali em cima, usa o tão famoso kilt. No entanto, sempre me foi dito que qualquer aluno é livre de escolher entre o nacional e o kilt, coisa que nunca nenhum aluno fez... até à data. Após ter adquirido o ''traje nacional'' a comissão de praxe apôs-se a que usasse o mesmo durante a praxe ( sendo que não me é permitido praxar, seja com que traje for) pois para além de terem contrariado aquilo q sempre ouvi, argumentam também que segundo o codigo de praxe, com as ''regras'' do traje do iade, estou ''mal trajada'', e portanto indo a praxe, estou sujeita a ir a tribunal de praxe e ter como consequencia o traje rasgado. Fiquei entao de desmistificar esta questão: o traje nacional é ou não aceite em toda e qualquer faculdade a nível nacional?

Agradeciam imenso uma ajuda nesta questão!

WB disse...

Olá, Joana,

Se procurar no blogue, encontrará um artigo dedicado ao traje" do IADE ("Notas a uma Execrável Desafinação").
O Traje Nacional (cuja alcunha é "capa e batina") é o traje por excelência do aluno universitário).
Nada nem ninguém a pode proibir de o usar e com ele se apresentar nos actos académicos.
Se a sua comissão de praxe diz que não pode praxar com ele, creio que não vale a pena você criar uma guerra. As praxes não são o essencial da vida académica.
Agora em tempo algum a podem proibir do resto.
E muito menos podem violentá-la ou ameaça-la, ou isso torna-se caso de polícia.
O que o código do IADE diz vale zero em termos de Praxe, desde logo porque atentam à tradição com o dito Kilt, são, aliás, uma ofensa às tradições académicas.
O Traje Nacional deveria ser aceite em qualquer instituição, mas há comissões de praxe que entendem o contrário, simplesmente porque são burras que nem uma porta.
Não se deixe intimidar, porque usa ro traje nacional é legítimo em qualquer instituição e certamente que a reitoria da sua escola a não irá proibir d eo usar ou dirá que está mal trajada.
Agora é óbvio que não é fácil ser diferente no meio de gente que traja kilt e acha que a presunção da sua ignorância é quanto vale parta ser tradição.

Não permitas que alguém exerça sobre si coação. Errado seria apresentar-se, por exemplo, com o traje "Tricórnio" (da Univ. do Minho) ou outro específico de uma escola.
Neste caso, está a usar traje nacional, pelo que está de acordo com a tradição académica portuguesa e o IADE ainda está em Portugal e, que eu saiba, não é território ou reserva diplomática da Escócia.

E não, não está mal trajada pelas regras do traje do IADE, pois não usa o traje em causa. Mal trajada seria usar o traje do IADE e trajá-lo mal. Você, trajando capa e batina só não traja o kilt, mas traja o uniforme do estudante português, com uma tradição enraízada e comprovada.