sexta-feira, abril 11, 2014

Notas ao livro de António Manuel Nunes (2013)


Identidade(s) e moda, Percursos Contemporâneos da capa e batina e das insígnias dos conimbricenses é uma obra ímpar, do conceituado historiador António M. Nunes, que vem ocupar um lugar vago na história dos trajes e da etnografia em Portugal, já que não existia nenhum estudo digno desse nome quanto aos uniformes discentes e docentes, e respectivas insígnias e protocolo académicos.
Uma obra essencial para quem quer, de facto, conhecer a história do património vestimentário académico em Portugal.




Um trabalho de rigor e seriedade de aquilatada valia que, embora ancorado em Coimbra (cerne do estudo), não se fixa unicamente na geografia conimbricense, estabelecendo pontes e relações com outras geografias, e num discurso que não se centra apenas na Universidade, já que também engloba o património indumentário académico nas escolas e liceus portugueses.
Também de salientar as informações valiosas, que explicam muito das raízes das actuais Tradições Académicas, as influências e modelos que lhes deram suporte e, naturalmente, as evoluções que se foram operando.

Apenas apontaríamos duas coisas:

- o tamanho reduzido dos caracteres, que torna a leitura difícil (principalmente se a isso juntarmso a densidade da informação e os muitos termos técnicos).
- o reduzido número de imagens que, em maior abundância, poderiam permitir fazer como que um mapa cronológico da evolução das vestes docentes e discentes.

Como dissemos, é uma obra de referência,assinada por um dos maiores especialistas na matéria,  mas que exige não apenas paciência e gosto pela leitura (pelas razões já aludidas), como algum background nestas matérias.
Seja como for, este livro é um verdadeiro oásis no deserto bibliográfico que se registava nesta área de estudo.
Editada em 2013 pela Bubok Publishing Ldª, está disponível em versão papel e versão digital (Pdf), a um preço muitíssimo convidativo (tendo em conta a qualidade e densidade do conteúdo), no site da referida editora (a que pode aceder, clicando, do lado direito do blogue, na imagem referente ao livro).

Se algo podemos acrescentar sobre este livro é o nosso penhorado e reverente "Obrigado"!

terça-feira, abril 08, 2014

Notas à origem da Cartola, Bengala, Laço e Roseta dos Finalistas Universitários






Estava em falta um artigo que explorasse a questão da origem daquilo que muitos designam, por brincadeira (mesmo se não é propriamente a terminologia adequada), como sendo “insígnias de finalista”.
Cartola, bengala, laço e roseta são adereços incorporados ao traje que servem para sinalizar o fim dos estudos, nada mais que isso. Não são expressões de Praxe ou de praxista, apenas e só do finalista, seja ele praxista ou não, pelo que a questão que alguns ignorantes levantam do "merecimento" não tem qualquer lógica, pois que o merecimento resulta do percurso e sucesso escolar do aluno enquanto estudante.
O que a Praxe define é que o finalista desfile trajado no cortejo (como aliás o deveriam fazer todos os alunos), usando cartola, laço, bengala e roseta e.....sem capa (o finalista). Esse  éo figurino que caracteriza  finalista no Cortejo (já na Missa de Benção das Pastas, apenas se apresenta trajado a rigor e com a sua pasta de 8 fitas).
Mas voltemos ao assunto.
A adopção deste tipo de adereços ocorre, mais uma vez, como tantas outras adopções, de forma natural e espontânea, com base em peças que eram usadas noutros contextos, embora familiares e, muitas vezes, já incorporadas no quotidiano dos estudantes.
Recordemos, antes de mais, que a laicização do uniforme académico, e as suas conhecidas variantes (como é o caso da Escola Agrícola de Coimbra), seguiam, de perto, os cânones da etiqueta vestimentária em moda na época (a que se somavam as normas de etiqueta. próprias a uniformes corporativos). 
Grupo de alunos (em cima) e professores(em baixo) do Instiuto de Agronomia e Veterinária de Lisboa,
 Ilustração Portugueza, II Ano, Nº 75,
de 10 de Abril de 1905, p.357 (Hemeroteca Municipal de Lisboa).

Com efeito, e a título de exemplo, confirmando o paradigma laico-burguês, docentes e discentes do curso superior de letras e do Instituto de Agronomia e Veterinária entrariam no século XX de labita preta e cartola, costume de certa forma prolongado após a respectiva integração nas universidades fundadas em Lisboa após 1910 (Nunes, 2013).

Nestas duas imagens (acima e abaixo) que retratam estudantes, podemos ver o uso generalizado
do chapéu de coco na toilette masculina dos que estão à futrica.

Sobre o incidente que leva à Greve Académica de 1907,
Ilustração Portugueza, III Volume, Nº 55, de 11 Março de 1907, p.294e 296
(Hemeroteca Municipal de Lisboa).


Dado que o uso de chapéu de coco e cartola eram associados a uma certa ideia de estatuto ou de toilette mais solene (pese embora o chapéu de coco ser usual na indumentária civil dos estudantes), é natural que, a determinada altura, se parodiasse tal, com o tais adereços a prefigurarem a ascensão, tida como certa, a um estatuto mais elevado.


Cartola e Bengala

A tradição da cartola iniciou-se em Coimbra, com o curso do V Ano Médico de 1931/32, de que faziam parte estudantes que se tornariam célebres na boémia e vida académica de Coimbra, como é o caso de Castelão de Almeida (fundador do periódico "Ponney") ou de Henrique Pereira da Mota (de cognome “Pantaleão”), ambos repúblicos da Real República Ribatejana.

Segundo Reis Torgal[1] a novidade não terá acontecido imediatamente no cortejo da Queima de 1932, mas, sim, no decorrer de um jantar de curso que teve lugar no mês seguinte à Queima em que todos se terão apresentado de chapéu de coco ou de chapéu alto, de bengala e fumando charuto, numa clara uma alusão à entrada futura numa vida profissional prestigiada.

Tal é-nos igualmente confirmado no relato constante no libreto dedicado à história da Queima das Fitas, editado em 1999 pelo Diário de Coimbra:

“Embora na integrasse a programação da “Queima das Fitas” de 1932, já que o acontecimento se verificou em Junho e não por alturas das festas, foi neste ano que nasceu a “praxe” do uso da cartola e da bengala que, de futuro, os finalistas da Universidade passaram a usar em todas as Queimas das Fitas. Os quintanistas de Medicina que ficaram conhecidos pelo nome de “Curso dos Cocos”, e ao qual pertencia o célebre “Pantaleão” (Dr. Henrique Pereira da Mota), fez a sua primeira “Reunião de Curso” logo no mês seguinte, tendo-se apresentado todos de chapéu de coco ou de chapéu alto, de bengala e fumando charuto. Esta praxe que se enraizou, significa a entrada na “vida activa”. Foi este “Curso do Pantaleão” que teve também a ideia da “Venda da Pasta”.[2]


O artigo que a seguir apresentamos, confere com a nossa pesquisa, complementando-a:


in revista Rua Larga, nº 30, de 01 de Agosto de 1959, pp.320-321


Rapidamente alastra tal “novidade” que, pela sua graça, simplicidade e simbolismo, se foi cristalizando:

 “Na segunda metadade da década de 1940 é apropriada e tradicionalizada pelos estudantes da Universidade do Porto. Como traje de fantasia que era, usavam-se pijamas, casacas, vestidos e outras peças de roupa não combinadas. A cartola era de estrutura manufacturada, em cartão forrado de papel de lustro na cor científica do curso. Lapelas de cetim, papillon e bengala eram também na cor do curso.
Por vezes aparecia uma flor na botoeira (que não era a roseta de seda que foi criada pelos estudantes da Universidade do Porto a partir das insígnias das comendas de Estado). A cartola conimbricense tinha aba plana, de tipo saturno, copa de ilharga alta e chegava a ser muito altarrona e forrada de preto caso o seu portador fosse veterano. O charuto vistoso, tradicionalmente ofertado por caloiro-afilhado, e a garrafa de espumante, compunham a toilete dandy do quintanista que se despedia lacrimogéneo.[3]

Porto - Queima das Fitas em 1949


Diz-nos, ainda, Alberto Sousa Lamy, reforçando o já avançado:

“O Curso do V Ano Médico de 1931-1932, o curso do Dr. Henrique Pereira Mota (Pantaleão), o curso dos cocos, foi introdutor do uso das cartolas nas festas da Queima das Fitas.
Pela praxe, os cartolados podem trazer apenas batinas, cujas bandas devem ser de cetim da cor da Faculdade a que pertecem e as abas arredondadas dobrando a pregando as duas extremidades inferiores, dando um aspecto de fraque.
Os quintanistas, que só usam as cartolas e bengalas na Queima das Fitas, seguem a pé no cortejo, dado que os carros são para os novos fitados.”[4]

Actualmente,

a cartola de fantasia usada em Coimbra desde 1979 é do tipo portuense, conforme modelo fabricado em série desde a década de 1950 , de ilharga baixa e forrada de cetim, ao arrepio do tipo conimbricense, artesanal, de ilharga alta e forrado de papel de lustro”[5]


Queima das Fitas, Coimbra,
Bilhete Postal, 1951
Como podemos ver, após a introdução dos já citados adereços carnavalescos, o traje adapta-se para servir já não apenas de uniforme estudantil, mas também de fantasia, com o figurino a ganhar contornos de snobismo jocoso, com o ligeiro dobrar das carcelas da batina e cozendo uma fita estreita da cor da faculdade ao longo da calça, de maneira a que a batina passasse a imitar um fraque.

Já o uso de bengala parece ultrapassar o mero uso figurativo do cortejo, chegando a ser usada como  para mimosear os caloiros, no acto da sua emancipação (como a vara que se usa para conduzir os animais), como refere Sofia Rosário, citando Sousa Ribeiro, a propósito das festas de 27 de Maio e das tradicionais latadas (que marcavam o fim das aulas: “Festa das Latas”) que:

“Os caloiros aparelhados a uma lata convenientemente ligada por um arame, compareceram no Largo da Feira ao princípio da tarde[6]. Levados para a porta férrea, eles partem numa carreira vertiginosa pela rua larga até ao Largo Miguel Bombarda. Durante esse trajecto, os doutores, munidos de bengalas, batem nas latas [se, ao bater na lata do caloiro, esta se despregasse, era o portador punido pelo finalista].”[7].

Queima das Fitas do Porto,1958,
Acervo de João de Castelo Branco,
in blogue "Memoria recente e antiga".
Revista dos Antigos Alunos da UP, a propósito do
 Centenário da Universidade do Porto, 2011
(disponível AQUI)
O Laço

O Laço/papillon é um adereço do vestuário que traduz, na etiqueta, uma ideia de maior solenidade, usado em dias de gala ou eventos cerimoniosos, que podemos observar noas maestros durante um concerto, no uso de smoking, etc.,
O laço é, aliás, contemplado na indumentária académica (traje académico) como alternativa à própria gravata, usando-se de cor preta.
Durante o cortejo, embora também no baile de gala, é usual os finalistas trocarem a gravata preta do seu traje por um laço da cor da faculdade (da mesma cor que a cartola, bengala e roseta), não sendo incomum, forrar as lapelas com cetim da mesma cor.
O figurino que o conjunto cartola, bengala e laço pretende representar, como dissemos, é a da imagem projectada no futuro do alcançar de um determinado estatuto traduzido pela "toilette" cerimoniosa.
O laço usa-se quer nos rapazes quer nas raparigas. Caso não o usem, deve manter-se a gravata.
 
A Roseta
 
A roseta, usada pelos finalistas (rapazes e raparigas), e feita em seda/cetim, parece-nos ser a representação de uma medalha, uma condecoração " de brincadeira", criada, ao que tudo indica, na academia portuense, em substituição da inicial flor na botoeira.

Roseta por se inspirar, possivelmente, na "Imperial Ordem da Rosa" que é (era) uma ordem honorífica brasileira, criada em 1891 pelo imperador D. Pedro I, em desenho idealizado por Jean-Baptiste Debret, inspirado, segundo consta, nos motivos de rosas que ornavam o vestido da Rainha D. Amélia ao desembarcar no Rio de Janeiro.

A Medalha é (era) discernida tanto a militares como a civis, nacionais e/ou estrangeiros, por serviços prestados à nação.

Esta será a origem da roseta que, no imaginário académico, e dentro do espírito da Queima (como adereço carnavalesco), representará, jocosamente, como que uma "Medalha de Mérito Académico", distinguindo quem chegou ao fim do percurso estudantil e saiu vitorioso.
Colecção "Costumes Académicos", Coimbra,
Bilhete Postal, 1965

Imposição insígnias de Farmácia, no Porto, em 1966
(Arquivo da UP)


Curso de Medicina na Queima das Fitas do Porto em 1971
(Foto cedida ao Arquivo da UP por Mário Abílio Silva Bravo)



Muito rapidamente estes adereços festivos são adoptados nos liceus, onde também já existia a tradição de assinalar festivamente o fim do ano lectivo.




Liceu de Santarém, ca. 1957
Acervo de José Varzeano

Liceu de Santarém, ca. 1957
Acervo de José Varzeano

Mais recentemente, tal aparecerá também em outras geografias escolares, nomeadamente nas festividades dos pequenos finalistas dos infantários ou da primária, quer na adopção das cartolas em uso em Portugal, quer na versão anglo-saxónica que os muitos filmes americanos ajudaram a disseminar.
Só não se percebe como é que, pelos lados da Universidade do Minho, o tricórnio usado no quotidiano é carnavalizado nos finalistas que o usam às cores, como se fosse uma cartola. Claramente, alguém não percebeu patavina do sentido da cartola. E quando não se sabe, é usual a parvoíce meter-se a inventar.


Finalistas da Universidade de Oregon

Finlalistas de jardim de infância, com capas pelso ombros, cartola e bengala.

Questão contudo pertinente será saber até que ponto o “Cap Graduation” (capelo de formatura, de feição quadrangular), que deriva dos antigos barretes renascentistas que são bem nossos conhecidos na versão dos galeros/capelos eclesiásticos, não terá, de certo modo, influenciado a adopção da cartola como chapelaria iconográfica  do finalista, até por lhe ser bem anterior, como chapéu usado nas cerimónias académicas, fazendo parte da indumentária formal e protocolar do acto.
Fica a questão.






PRAXIS

O que a tradição contempla, secundum praxis é que:

- O finalista, rapaz ou rapariga, irá trajado, mas sem capa, usando cartola, bengala, laço/papillon e roseta da cor do curso, forrando, se também assim o desejar, as carcelas/lapelas do traje com cetim, também da cor do curso.
- O finalista pode, contudo, apresentar-se sem capa e batina, podendo na mesma usar cartola, bengala, laço e roseta.





[1] TORGAL, Reis – Boémia da Saudade, Coimbra, Edição do Autor, 2003
[2] Queima das Fitas, os 100 anos do Centenário da Sebenta, 1899-1999. Edição do Diário de Coimbra, 1999, p. 103.
[3] Frederic P. Marjay - Coimbra. A cidade universitária e a sua região. Lisboa: Bertrand Editora, 1959, p. 39
[4] LAMY, Alberto Sousa – A Academia de Coimbra, 1537-1990. Lisboa, Rei dos Livros, 2ª Edição, 1990, p. 676.
[5] NUNES, António Manuel – Entidade(s) e moda, Percursos contemporâneos da capa e batina e das insígnias dos conimbricenses. Bubok, 2013, p.122
[6] Recordemos que a emancipação dos caloiros ocorria após a tourada e outros mimos a que eram sujeitos no Largo da Feira.
[7] ROSÁRIO, Sofia – Coimbra, O Tempo da História. Coimbra, Dept.º gráfico da AAC, 1989. P.82