segunda-feira, outubro 20, 2014

Notas à Praxe (des)importada.

Um argumento muito recorrente nas novéis academias é: "Não temos de seguir à risca Coimbra, porque temos as nossas próprias baseadas na nossa história local".
 
Então reflitamos:
Coimbra serviu ou não de modelo, como Alma Mater, para as Tradições e a Praxe estudantis existentes?
Se serviu, em que medida se pode importar avulso?
Com que legitimidade?
Pede-se uma nota de 5 euros e mete-se lá mais um zero esperando que passe por uma nota de 50?
Quem querem enganar?
 
É a Tradição rodízio onde a pretexto de implementar tradições estudantis, se faz corte e costura seguindo modas em vez de, precisamente, seguir a Tradição?
Metem-se pinheiros no lugar de árvores de fruto e pretende-se que continua a ser um pomar?
Mas querem enganar quem?
 
Se as nóveis academias usam traje estudantil (capa e batina ou imitandoa mesma), usam e impõem insígnias como grelo e fitas, usam pasta, fazem Serenata Monumental, têm Cortejo da Queima, têm Latada e Baptismos de caloiros, Julgamentos, Apadrinhamentos, Missa de Benção das Pastas, Praxe e praxes, usam insígnias de praxe e pessoais, cartola e bengala nos finalistas, usam terminologia e hierarquia inspirada na Praxe coimbrã (caloiro,doutor, veterano, Dux....ou equiparado) ............ como negar que a sua legitimidade assenta precisamente nesse franshising?
Mas se é franshising, até ele tem regras.
O Mc Donald's de Odivelas pode usar o logo da Mercedes, vender cachorros e missangas e continuar a pretender ser o Mc Donald's, só porque vendem Happy Meal de cerveja?
 
 
Se não querem copiar, então não usem nem façam nada do que acima se menciona. Nem queima, nem insígnias, nem traje, nem coisa nenhuma. Façam outra coisa, mas nenhuma das acima mencionadas.
E não usem sequer o termo Praxe Académica, praxar, praxista ou Tradição Académica.
Não se é meio engenheiro, meio médico ou meio ateu.
 
 
Ah, falta essa coisa bizarra das "Tradições da terra".
Quando nos deparamos com tal justificativo/explicativo, redobra o ridículo onde mingua o senso.
Que tradições locais, autóctones, próprias e singulares existem em Viseu, Leiria, Faro, Covilhã, Viana ou Alguidares de Baixo que permitam deturpar a Tradição Académica Nacional e nela enxertar excentricidades folclóricas museológicas ou figuras históricas kitadas?
 
[Sim, tradição nacional, porque a Tradição e a Praxe são um património que embora tendo por berço Coimbra, se tornaram, desde finais do séc. XIX até aos anos 60 do séc. XX, cultura sem fronteiras distritais, concelheias ou de freguesia.]
 
Que tradições estudantis locais foram desenterradas para permitir e legitimar que, por cima da importação ,se proceda ao desmebramento e desvirtuamento da Tradição?
Em que é que se arrogam as nóveis academias para justificar tão significativas diferenças e desvios, a ponto de delapidarem a Tradição que importaram?
Pois. É que se inteligência houvesse para, pelo menos, procurar essas anteriores tradições académicas, iriam, pasme-se, encontrar uma riquíssima tradição académica com sede nos liceus.
E de onde veio essa tradição académica liceal?
De Coimbra, pois claro. Uma tradição que não passava por importar tudo, diga-se. Mas aquilo que se trazia "ad intra" era respeitado e honrado tal qual, merecendo o respeitoe carinho "ad extra".
Mas havia espaço a actividades próprias? Havia, mas sempre com base na observânciae respeito pela Tradição, começando no traje nacional (capa e batina), passando pelos ritos de recepção aos novos alunos e terminando nos bailes de gala, récitas e cortejos de fim de ano (para só citar alguns acasos).
Pois é. É que se querem falar de tradições estudantis locais, elas existem, e apontam exclusivamente para os liceus.
Mas alguém se lembrou de tal? Se se lembrou, cedo preferiu esquecer (para melhor inventar o seu umbigo), até porque para os alfaiates estilitas e modistas de ocasião, era incómoda essa tradição do uso do traje nacional no liceu local ,ao longo de décadas.
 
A Praxe e a Tradição sofrem de processos de continuidade e ruptura. O que não podem é romper com a própria Tradição, com o que é basilar, querendo artificialmente implementar algo de novo, mas vestindo e aparentando velho (para conferir "pedigree de inglês ver").
Tanto esforço por ficcionar e inventar que podia ser aproveitado para conhecer, questionar e ponderar.
 
Tradição e Praxe há só uma, precisamente aquela que foi transversal de norte a sul do país e ilhas, desde finais do séc. XIX até ao luto académico de 1969.

Não se percebe é como, depois, se ignorou isso (ou até se percebe), deixando que se instalasse uma verdadeira e medieva idade de trevas no que concerne estas matérias.

Podem existir pequenas cambiantes, pequenas adaptações, espaço para a identidade própria, sem que isso signifique sacrificar o próprio conceito de Tradição e vergá-lo à mediocridade de quem faz da ignorância o seu cartão de visita e pede que todos lhe passem procuração para livremente codificar palermices (que depois todos seguem em fundamentalista manada).
 
Não tem de ser "igualzinho" a Coimbra, têm é de ser Tradição Académica, aquilo que lhe confere precisamente esse statvs qvo, ou seja, o que é essência e cerne, algo que para ser Tradição transporta um conjunto de usos e costumes anteriores aos adornos, aos enfeites, ao embrulho.

4 comentários:

Anónimo disse...

É a favor da Tradição e isso está muito correcto mas não entendo porque censura novas academias que quiseram (vá-se lá saber porque) dar um toque local à Praxe, procurando "criar" uma tradição só sua (sim porque como tudo a Tradição nasce).
Será que existia "um N&M" à uns anos quando baniram o Canelão (que era tradição) a dizer que retirar aquela pratica era deturpar a tradição? Será que existia "um N&M" quando se começou a usar o emblema da Briosa na capa? O que não entendo é porque é que estas inovações, que agora já não são nada novas, são da Praxe e a adaptação de elementos etnográficos à Praxe de um local (sim, Praxe é só uma, já sei...) não o podem ser.
Em estas pequenas diferenças desrespeitam a Tradição Académica, claro que não sou a favor de regras ridículas como a dos 5 passos da capa ou ter que se traçar a capa à noite mas será realmente um atentado alterações (baseadas na etnografia, não falando em casos como kilts praxisticos...) ao traje ou à nomenclatura praxistica? Na minha opinião não.
É da opinião que isto é errado porque é uma alteração à Tradição mas é dito e sabido que esta sem sofrido alterações, serão estas mudanças que refere erradas apenas por serem mudanças?
Penso que disse anteriormente que o objectivo do Traje Académico era identificar a condição de estudante universitário, esse objectivo é comprometido por alterações etnográficas ao mesmo? Não.

Sou leitor a algum tempo do blog e do grupo e tenho-lhe imenso respeito mas à cerca deste assunto discordo.

WB disse...

(Resposta Parte I)


Caro anónimo,

Enferma desde logo um paradoxo a sua afirmação de “criar uma tradição”, porque tradições não se criam.
Tradição é algo que se reconhece pelo uso reiterado e pela sua pertinência.
Se é leitor assíduo do N&M, então já terá lido o que sobre tradição já aqui se escreveu (http://notasemelodias.blogspot.pt/2014/05/notas-sobre-tradicao.html), como processo de continuidade e de rupturas.

Por isso sublinho o que o Zé Veloso escreveu:

“Voltando à sociedade tradicional académica que vigorou até 1969, ela vivia, no meu tempo, em perfeito equilíbrio com a sociedade futrica, a qual contemporizava com os seus excessos (que sempre existiram) e compreendia a sua bizarria. Mas tal equilíbrio só foi possível, porque a praxe evoluiu ao longo dos séculos sempre no sentido civilizacional ou seja, acompanhando o evoluir da sociedade. Assim, as praxes bárbaras que nos são descritas no Palito Métrico de meados do séc. XVIII foram-se humanizando ao longo de todo e século XIX e, nomeadamente, depois da República (1910) e do interregno praxístico de uma década que se lhe seguiu. Como exemplos simbólicos desta evolução, lembro que o selvático Canelão é abolido no final do séc. XIX, restando dele os pontapés-da-praxe com que a equipa de futebol da Briosa passou a bridar os recém-chegados ao team; e lembro ainda que a mais violenta das insígnias da praxe – a moca – desapareceu por completo das mãos dos estudantes, determinando o Código da Praxe de 1957 que, em contexto de trupe, a moca possa ser «substituída por um pau de fósforo com a cabeça por queimar»” (in http://penedosaudade.blogspot.pt/2014/03/a-violencia-na-praxe.html)


Não existe nenhuma legitimidade para criar artificialismo que nem são ruptura nem são continuidade, mas algo enxertado que pretende ser o que não é, sob a desculpa da evolução (http://notasemelodias.blogspot.pt/2014/02/notas-de-praxe-evolucao-ou-tradicao.html).

Como dizia o Prof- Dr. João CaramalhoDomingues, um investigador destes assuntos,

“"As pessoas investem nas Tradições Académicas, na legitimidade de serem Tradições, mas depois desprezam completamente aquilo que é antigo nessas Tradições, porque o importante é que as coisas pareçam e não que o sejam".


Para se falar em Tradição Académica, o corpus desse conceito tem de se manter fiel, sob pena de deixar de ser tradição e essa designação apenas servir de pretexto para a desvirtuar.
E como refere a questão da etnografia, sugeria que (re)lesse o seguinte, de modo a perceber que em momento algum tal tem cabimento dentro d euma cultura estudantil:

- http://notasemelodias.blogspot.pt/2013/12/notas-trajes-nao-academicos.html;
- http://notasemelodias.blogspot.pt/2014/05/notas-terminologia-praxistica.html;



Recordo-lhe que,

“Se o traje estudantil existe para distinguir o foro académico, é um contrasenso e paradoxo usarem-se peças do folclore e etnografia regional, onde a figura do estudante é inexistente.
Um Traje Académico é um traje corporativista (uniforme estudantil) e não pano identitário de uma localidade ou de uma actividade agrícola, piscatória ou outra que não a estritamente expressiva da condição de estudante (figura inexistente na etnografia e folclore).”

WB disse...

(Resposta Parte II)

Nada contra as adaptações que distinguem sem contudo perverter o propósito e o cánon em que se baseiam.
Uma coisa é actualizar à idiossincrasia que se pretende cultivar, em razão da promoção da identidade própria, outra é subverter tudo à lógica da diferença a todo o custo, sacrificando a própria Tradição.
Disso é caso a proibição do traje a quem não foi praxado, algo que vai contra a própria legitimidade de um traje académico. O mesmo se passa com a proibição de relógios de pulso, cuja fundamentação é nenhuma, e colide com a Tradição.

Existe contudo espaço para ser diferente, sem ser preciso fazer gala de ser “outra coisa”.
Casos há em que é até natural questionar certas opções, nomeadamente da escolha de um traje diferente.
Dou-lhe 2 exemplos: Braga e Viseu.

Em Braga os estudantes usam capa e batina desde a década de 1870. No meio universitário foi usada em Braga, até que, na U- Minho (onde também se usava), se decidiu algo diferente, uma nova “tradição”, a pretexto de terem uma identidade própria.
Estranho contudo que, ali ao lado, na mesma cidade, haja instituições que continuaram a usar capa e batina. Não tem identidade? Não são igualmente de Braga?
O mesmo se passou em Viseu, onde sempre se usou capa e batina antes de no ISPV se decidir outra coisa. Mas havia ou não tradição académica universitária? Havia. Usavam todos, ou não, capa e batina e seguiam a mesma tradição? Usavam e seguiam. Sentiam-se menos viseenses por isso? Não! Sentem-se menos viseenses os alunos da UCP ou do Piaget por usarem capa e batina?
Precisaram de inventar para viverem a sua condição estudantil e a Praxe? Não.
Precisaram os alunos de Guimarães, que usam capa e batina, e contudo são pólo da U. Minho, de prescindir de mais de 1 século de tradição estudantil e uso de capa e batina para serem vimaranenses? Não!
É o ISPV uma região demarcada, um território diplomático que precise de ser diferente dos demais, renegando as suas raízes e tradição? Não.
O que sucedeu é que um grupo de pessoas impôs uma falácia e o resto foi atrás, porque ser diferente estava na moda.

O pior mesmo é quando essas invenções assentam em ficção. A larga maioria nem um estudo sequer possui a justificar as escolhas. Foi tudo a olhómetro e com ajuda de modistas e estilistas das casas de artigos académicos.
E veja que mesmo o famoso traje “tricórnio” resulta de um embuste, d euma mentira hedionda, que o autor do pseudo-estudo (na altura presidente da Associação Académica) impingiu aos restantes:

http://notasemelodias.blogspot.pt/2013/09/notas-ao-tricornio-ficcionado.html


Mas se a coisa ficasse por aqui, vá, pronto. Mas toca depois de inventar regras praxísticas sem nexo, sem fundamento, sem qualquer relação com o meio estudantil. Não se criou tradição nenhuma, antes artificialismo disfarçado de tal. E estranhamente isso não sucedeu apenas onde o traje foi inventado, mas até onde a capa e batina ainda vigora.
Não vale tudo em nome da diferença, porque a Tradição é um conceito que implica precisamente que se mantenha fiel à essência para assim continuar a ser considerada.

O problema, meu caro, é que a base de tudo está num erro crasso: esquecer que o traje distingue a condição do estudante e não o local de estudos. Outro erro: o traje nacional não é de Coimbra.

Foi com base em pressuposto errados e o querer ser diferente de qualquer maneira, que se decidiu alterar, podar, desvirtuar, sob a desculpa que cada um tinha de ter uma tradição própria.

Coerente, então, seria que os diplomas de cada instituição só tivessem validade, vá lá, nessa região. Mas onde houvesse outra, tinham de tirar novo curso.

WB disse...

(Resposta Parte III)

Percebe a falácia?

E contudo, há tanta margem para, dentro da Tradição nacional se poder distinguir e diferenciar.

Sim, meu caro, o objectivo fica comprometido quando qualquer coisa serve para justificar que qualquer invenção serve para identificar a condição e cultura estudantil, nomeadamente num uniforme.

Uma vez mais: nada contra as adaptações, mas tudo contra as invenções que ignoram a Tradição, muitas vezes por verdadeira incompetência:

http://notasemelodias.blogspot.pt/2014/10/notas-ao-copy-peste-praxistico.html