sábado, novembro 15, 2014

Notas aos logotipos praxísticos


O presente artigo visa reflectir sobre a simbologia, a iconografia utilizada pelos organismos de Praxe para se identificarem e identificarem a sua actividade.
Tradicionalmente, servem para ilustrar os diversos logotipos associados a Comissões de Praxe ou Conselhos de Praxe/Veteranos as insígnias de Praxe, a saber a colher de pau, a moca e o par de tesouras (Sobre a origem e história das Insígnias de Praxe, ver AQUI)
Estas insígnias estão directamente ligadas a uma primeira concepção de Praxe, a qual passava exclusivamente pela relação entre caloiros e veteranos.
Expressão mais visível de tal eram, naturalmente, as trupes e o gozo ao caloiro.
De todas essas 3 insígnias, a mais antiga ligada aos ritos com caloiros será a tesoura, ligada ao ritual da tonsura, seguindo-se a moca (usada como arma nas refregas entre estudantes, ou entre estes e os futricas) e, mais tarde, a palmatória. Quando a palmatória é abolida, recupera-se, em sua substituição, a colher de pau, numa romanceada reabilitação dos antigos sopistas.
 
A figuração trinitária dessas insígnias é fortemente divulgada graças aos desenhos que ilustram a capa de duas obras incontornáveis do imaginário académico: O Palito Métrico (edição de 1942) e o Código de Praxe da UC, editado em 1957 (e usadas igualmente na capa da obra "O Espantalho da Praxe" de 1958).
 
A associação à Praxe dessas insígnias cristaliza-se e passam as mesmas a ser usadas como logótipo para documentos de cariz praxístico.
Se bem sabemos que Praxe não se restringe ao relacionamento entre caloiros e veteranos, e muito menos aos ritos de recepção dos novos alunos, o facto é que a trindade das insígnias em causa ganhou esse reconhecimento simbólico e, por isso, usado, por exemplo, no emblema do Conselho de Veteranos de Coimbra, e de muitos outros que na mesma passada adoptaram tal como representativo, por sinédoque (uma parte que representa o todo).
Até aqui, "so far so good"; mera constatação de factos.
 
O que já nos poderá causar estranheza é a pródiga capacidade que alguns têm de contaminar a simbologia com adornos que resultam mais de romancismos ficcionados e de alguma falta de senso.
Muitos dos logotipos que encontramos parecem dar maior primazia a uma certa mensagem de intimidação iconográfica, metendo caveiras, por exemplo, quando estas nada têm a ver propriamente com Praxe (antes sim um elemento cénico, adereço usado nos julgamentos, a par com velas, livros a fazerem de códigos de leis, etc.). Aliás, temos, até, quem só utilize a caveira como figura identificativa.
 
E quando não são caveiras, são ossos cruzados ou desenhos de doutores embuçados em torno de um caloiro com ar ameaçador.
Aliás, são inúmeros os desenhos que, na qualidade de logotipos de organismos de praxe, parecem visar uma clara intimidação, inspirar medo e temor.
Não se percebe tal, se um organismos de praxe existe precisamente para regular e supervisionar a etiqueta académica  e o cumprimento das normas; se existe para orientar e se existe para controlar e evitar quaisquer abusos. Parece-nos que a iconografia que muitos deles utilizam expressa precisamente o contrário.
Pena é que, em virtude das funções de um organismo de praxe, assente na Lei Académica (e esta, de acordo com a Tradição), não haja, por exemplo, a figuração de uma balança, precisamente para exprimir a função da Lei e do organismo que tem o dever de por ela zelar, em consonância com o lema "Dura Praxis Sed Praxis" que, adaptado do "Dura Lex sed Lex", significa apenas, e só, que a lei académica, a Praxe portanto, é "dura" em razão de ser equitativa e igual para todos.
 
Esse especial gosto pelo mórbido, pelo cariz fúnebre e cadavérico em nada abona em favor da Praxe e muito menos dos organismos que assim se apresentam: como carrascos,  como inquisidores.
São esses mesmos que, paradoxalmente, vêm depois afirmar que os ritos com caloiros visam a integração. Com tais sinais de "trânsito", como tal sinalética identificativa............ não estamos em crer.
E a imaturidade não pode ser desculpa para a falta de senso.
 
Depois, temos, num outro patamar, o desvirtuar das insígnias de praxe, substituindo-as, pasme-se, por vassoura, remos, rolo da massa e corda de enforcado, pá e chave de boca, ceifeira e/ou forquilha, naquilo que é um exercício de puro ridículo.
Entenderemos que a ideia será expressar o âmbito, o contexto (uma escola agrária, por exemplo), mas esqueceram-se que as insígnias de praxe não pretendem, per si, evidenciar geografias, mas a res praxis.
Seria igual ridículo termos um organismo de medicina a usar bisturis e algálias; um organismo de engenharia cruzando um martelo pneumático com uma régua ou uma comissão de direito cruzando uma guilhotina com um martelo de juiz.
Haja senso.
 
Outros logotipos utilizados enveredam, depois, pelo absurdo, como é o caso da escolha de simbologia maçónica, importando esses desenhos e apenas acrescentando/substituindo os dizeres.
Uma vez mais presente essa idiotice do secretismo e do mundo místico, como se a praxe tivesse algo a ver com sociedades secretas ou fraternidades, como se alguma vez tivesse a ver com os ritos maçónicos.
Gente que certamente vivia fascinada com tais grupos e, por pueril patetice, decidiu decalcar para parecer "fixe", para parecer "misterioso", brincando a um faz de conta sem pés nem cabeça.
 
E esquecem-se os praxistas em causa, que são precisamente esses cartões de visita que também ajudam à descredibilização da Praxe e das Tradições e que dão uma impressão negativa e pouco séria junto da sociedade (e de qualquer pessoa inteligente, diga-se).
 
Temos, igualmente, os que, com igual ideário ficcionado pelo gosto do romancismo ao jeito do séc. XIX, decidem brasonar-se, metendo um pouco de tudo sem nexo, da Flor-de-Lis ao burro de carga, da caveira a estudantes trajados, numa simbologia onde qualquer interpretação serve como desculpa para validar o que não tem, do mesmo modo, qualquer sentido.
Não se ganha pedigree ou respeitabilidade querendo parecer antigo e nobiliárquico, ostentando precisamente falta de critério e de seriedade naquilo que se faz e publicita.
Pormenor interessante, em muitos logotipos, é a forma como é desenhada a moca, que mais parece o batente (baqueta) de um bombo.
 
Como está bom de ver, não faltam por aí logotipos e desenhos que, ao invés de condignamente serem representativos de uma instituição praxística, de representarem a mesma (porque o logotipo serve, igualmente, para identificar o organismo e quem a ele pertence) e a sua actividade, produzem precisamente um efeito nefasto e pouco credível.
 
E quando o logótipo escolhido é preconizado, em tamanho XXL, por um sorridente burro, claramente que está tudo dito.
Mas cada qual se identifica como bem entende, e até concordaremos que muitos desses organismos serão, porventura, uma espécie de estrebaria (pelo menos fazem gala de assim se apresentarem). Mas se o "Burra Praxis Sed Praxis" é lema que facilmente cola a muito organismo praxeiro, não é certamente essa a imagem que se pretende dar, ou que se pretende que seja expressiva da realidade (temo, infelizmente, que o seja cada vez mais).
 
Simplicidade, antes, e acima, de tudo.
Não é preciso fazer alarde de pomposas iconografias para obter credibilidade, mas será certamente imperioso evitar que as mesmas hipotequem, à partida, qualquer juízo de valor, porque o rótulo é, ainda e sempre, algo que traduz e identifica o conteúdo.
 
A julgar por muitos que temos nas prateleiras da Praxe......o melhor mesmo é não consumir, ou porque contrafação ou porque veneno puro e simples.
 
Há logotipo de Praxe e
há logos, tipo praxe.

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