domingo, outubro 29, 2017

Notas às Origens das Insígnias Pessoais e Pasta


Insígnias Pessoais
(Grelo, Fitas, Semente e Nabiça)
e Pasta(s)




Porque muitas vezes solicitado, para esclarecer as origens e porquês das insígnias pessoais, e porque nenhum artigo se tinha aqui escrito exclusivamente sobre o assunto, aqui deixamos as explicações.
As insígnias pessoais são original e tradicionalmente duas: grelo e fitas, directa e intimamente ligadas aos festejos da Queima das Fitas[1], sendo o seu ponto mais alto (e que dão, aliás, o nome a esses festejos - primitivamente designados de festa do ponto ou de final de ano/curso).
 
Apesar de se designar por Queima das Fitas, o que na verdade se queima não são as fitas de finalista ,mas a fitinha comprida, conhecida por "grelo", que, após ser retirado da pasta e queimado, dá lugar ao desfraldar das fitas largas por parte dos futuros finalistas (novos fitados).
 
 
Nota: As insígnias pessoais nada têm a ver com o n.º de matrículas do aluno. As insígnias assinalam apenas o percurso escolar do estudante, indicando o ano em que se encontra, apenas e só.
 
 
 
O GRELO - A(s) Fita(s) que se queima(m)
 
É, portanto, o "Grelo" que está na origem de tudo. Um "grelo" que era originalmente uma grande fita (ou mais do que uma, porventura) que servia para atar os livros escolares.
 
Os estudantes tanto atavam os livros com vários atadilhos como o faziam com uma única fita (como quem ata um embrulho).

Os alunos dos mais diversos anos,  traziam os seus livros, sebentas e folhas atados com uma fita comprida que era enrolada em forma de cruz em volta dos cadernos e cujas pontas rematavam em laço.

 
O "Grelo" que hoje conhecemos é uma fita de 3,5cm de largura e 200 cm de comprimento, circundando a pasta e terminando em laço.

Não sabemos, contudo, por que razão se definiu um determinado comprimento para o grelo, mas ter-se-á chegado a uma convenção que intuísse qual seria o tamanho mais aproximado para atar os livro e ainda sobrar fita para servir de pega (e pôr às costas ou servir de alça).

Nota: É costume indicar-se, pela Praxe, que o laço pode ter no máximo 3 nós, não se podendo desfazer ao ser puxado. Na verdade, nada há anterior ao código da UC de 1957 que o sustente. Os alunos faziam os laços a gosto e como fosse mais prático.
Só efectivamente a partir da década de 1980 é que esse normativo (artigos 259 e 260) do n.º de nós, e de não se poder desfazer quando puxado, passa a ser observado. Nos anos 60, mesmo após publicação do Código da Praxe da UC, ninguém ligava patavina a esse documento (para a larga maioria era até desconhecido). Com efeito, estes, e outros, normativos, não faziam parte do usos e costumes tradicionais (como sucedeu com a cor das meias do traje feminino - ver AQUI).

 
 
"Comecemos pelas Fitas que, primitivamente, num incerto ontem - sabe-se lá se ainda medievalesco - , não mais seriam que os atilhos com que os estudantes, sem qualquer limitação de ano (pelo menos não há, ou não conheço, nenhum documento que marque qualquer praxe nesse sentido) atavam os livros de uso escolar. (...) Quando os estudos eram dados por terminados, último ano da universidade, as fitas deixavam de ter préstimo e num simbólico adeus, por se acabar, as Fitas passaram a ser queimadas, como poderiam ter sido pontapeadas, lançadas ao Mondego ou de qualquer outra forma largadas (como também se dizia no meu tempo: - largou as Fitas = acabou o curso). Julgo que a incineração fiteira pode ter algo a ver com a mitologia da Fénix, simbolizando um futuro renascer do saber, que os livros preservados continham." [2]



 
O 3.º ano de Direito de 1890-91.
António Nunes, A Alma Mater Conimbrigensis na Fotografia Antiga, Coimbra
- Grupo de Arqueologia e Arte do Centro, 1990, n.º 26
 
Como se verifica nesta citação, as fitas que se queimavam eram as tais que serviam para atar as sebentas, cadernos e livros num pacote, exorcizando, ao serem queimadas, as agruras dos estudos. Não deixamos de salientar a referência ao facto que esses atadilhos (em torno de uma qualquer pasta primitiva - embora a larga maioria atasse os livros num molho só, sem mais nada) não eram apanágio de apenas alguns estudantes, mas de todos.
 
O que sabemos é que esse acto de queimar as fitas/atadilhos remonta primitivamente a inícios do séc. XIX, embora as festas de fim de ano sejam bem anteriores.
 
"Documentalmente, encontram-se lhe referências [à queima], e o uso do termo, desde pelo menos a segunda metade do séc. XIX, mas dentro do tal espírito "pré-histórico", podem vir pelo menos de quinhentos, data em que seguramente (como vimos) sabemos que se realizavam touradas e latadas, que a Festa de fim de Ano e Curso (e é essa a fundamental nota caracterizadora da Queima das Fitas) se encontram intimamente associadas e muito provavelmente desde a primeira metade de oitocentos, dado que o uso de Fitas Largas de quintanista, acto quase imanente ao largar do "grelo" (outra nota que define a Festa da Queima) em pastas de luxo, está comprovado, pelo menos desde 1834, de quando se sabe existir uma dessa pastas.[3]"[4]
 

 
"Com a origem nas festas do ponto, a Queima das Fitas começou a alicerçar-se como Centenário da Sebenta (Abril de 1899) e, especialmente, com o Enterro do Grau (1905).
Os alunos do IV Ano de Direito começaram a queimar as fitas que usavam para atar os livros, pelo que a festa tradicional da Academia ficou conhecida por Queima das Fitas, embora na realidade o que se queima não são as fitas, mas o grelo."[5]
 
 
Revista Brasil-Portugal n.º 8, de 16.5.1899
 
 
O Nome "GRELO"
 
Em 1903, deu-se a famigerada "revolta do grelo", com epicentro no mercado D. Pedro V, em Coimbra, em que as vendedeiras ambulantes se revoltaram contra uma licença, designada "imposto do selo", que começou a ser exigida nos dias 8, 9 e 10 de Março.
O mercado D. Pedro V em início do séc. XX
Fonte: mediático.com.pt
Não era propriamente uma nova licença, mas uma nova forma de cobrança.
 
A grande onda de descontentamento popular teve lugar a 11 e 12 de Março, com ocorrência de violentos choques com as forças da ordem, em que se registaram dois mortos e numerosos feridos.
 
Este descontentamento alastra a outros grupos de operários e empregados de comércio, passando por caixeiros e lojistas, e envolvendo uma parte da Academia, cuja universidade e liceu são encerrados pelas autoridades[6]. Rapidamente se politiza a revolta como uma manifestação antimonárquica, ouvindo-se gritos a favor da república.
 
Desse evento forja-se uma cumplicidade entre estudantes e vendedeiras de hortaliças que passa a ser celebrada, todos os anos, ao som de bombos e foguetes, com os estudantes a irem ao mercado comprar um nabo de rama farfalhuda e que se metia na pasta (que servia de incubadora do "grelo").
Tudo aponta, portanto, para que a fitinha estreita e comprida, a que hoje chamamos "Grelo", encontre essa designação como evocação à dita revolta de 1903, tese, aliás, confirmada por Reis Torgal[7] e que encontramos igualmente no seguinte excerto:
 
"[o grelo] Creio ser reminiscência de um molho de brócolos que floresceu de uma greve hortaliceira em 1902 ou 1903. (...) As hortaliças da Praça murcharam e desapareceram feitas esterco, aparecendo então o Grelo, símbolo heráldico da reivindicação, gritante búzio de sardinheiro contra as truculências da Câmara.(...)  A Porta Férrea foi ultrapassada pelas hortaliças, os Gerais e as aulas invadidas...(...) O Grelo era já um pendão erguido, acompanhado pelas capa negras dos estudantes..."[8]



Postal dos anos 1980.
 É costume, na latada dos caloiros, os doutores ir ao mercado buscar o nabo, que dão a trincar aos caloiros, e receberem, na imposição de insígnias, o "Grelo".



 
A QUEIMA (praxis)
 
Como vimos, são originalmente a(s) fita(s), que atavam os livros, que se queimava(m), e que conhecemos pro "grelo".
O "Grelo", que, colocado em torno da pasta (a lembrar os atadilhos de antanho) é, depois, retirado para desparecer numa pira incandescente, durante os festejos de fim de ano. 

Nada melhor do que passarmos os olhos atentos pelos seguintes excertos:
 
"Depois queimavam-se as fitas.
"Muito naturalmente, clarissimamente, consiste esta simples e antiga operação em fazer de tais fitas uma espécie de fogueira, no mesmo lugar onde se deu a tourada.
Nada mais simples.
E, ardidas as fitas, reduzidas a cinzas, era ainda há pouco tempo costume serem estas pelo caloiro transportadas, num gorro, até à Porta Férrea. onde ficavam enterradas. Para esse fim, tinha ainda o caloiro que aí abrir uma cova, na qual o mais novo ou o mais velho dos candeeiros despejava o conteúdo do gorro.
Era o enterramento das cinzas.
A esta cerimónia, a que também todo o curso assistia, para o que vinha reunido do largo da Feira com o caloiro adiante de si, seguia-se o remate da festa, a nota final, a última homenagem, qual era urinarem os candeeiros, todos a um tempo, em cima da cova de cinzas!
Daí vem o dizer-se, em linguagem picaresca, a respeito de qualquer bacharel pela Universidade de Coimbra, e isto para dar a entender isso mesmo que ele é, que esse sujeito urinou à Porta Férrea.
Hoje, porém, como o patim de tal porta se encontra muito bem asfaltado, não podemos, por isso, enterrarem-se lá as cinzas, são estas aos quatro ventos lançadas do alto da torre da Universidade."[9]
 
O lançamento de fitas presas por um balão registou-se unicamente no ano de 1902.
Fonte: Blogue Penedo d@ Saudade.
 
" As fitas estreitas de algodão foram, também, deitadas ao Mondego ou oferecidas aos astros atadas a um balão de papel que era lançado do Largo do Museu.[acto que parece só ter sucedido por uma vez, em 1902]"[10]
 
"A Queima do Grelo, das fitas estreitas, pelos quartanistas, realizava-se no Largo da Feira.
Pelas Praxes Académicas de Coimbra (1925), no Largo da Feira, num altar, copiosamente ornamentado, erguia-se um bacio (penico) cheio de brasas, dentro do qual todo o quartanista, cada um per si, lançava o grelo, que as chamas consumiam. Depois, o padrinho - um quintanista - abraçava o afilhado, ao mesmo tempo que lhe colocava a pasta de luxo sobre a cabeça.
A Queima das Fitas é apenas uma das cerimónias dos festejos académicos. Todavia, é a mais importante, e de tal modo que deu o nome àquelas.
Na realidade o que se queima não são as fitas, mas sim o grelo. A cerimónia consiste nisto: no dia 27 de Maio dirigem-se os grelados para o Largo da Feira, onde está armada a tribuna, tendo ao centro um bacio onde ardem algumas brasas. É lá que o grelado se dirige para queimar o grelo, que ficará dividido em 3 partes: uma para o próprio, outra para a noiva (se a tiver) e uma terceira par ao afilhado, um terceiranista que vai buscar o grelo. Feito isto dirige-se ao seu padrinho, de quem receberá a pasta com fitas"[11]
 
"Em Maio de 1950, dado que o pavimento do Largo da Feira não permitia que aí fosse efectuada a queima, esta foi transferida para o Largo do Museu."[12]
 
A queima das fitas, ca. anos 1920
 
"Pela tarde, organiza-se um vistoso cortejo que, antes de partir em direcção à Baixa, vai ao Largo da Feita levar os quartanistas, para este ali queimarem o grelo e trazerem as suas novas fitas.
Esta cerimónia realiza-se num pavilhão previamente construído e ali, dentro de um bacio intimo, colocado num pedestal, os quartanistas queimam as fitas estreitas - o grelo - e recebem das mãos dos padrinhos quintanistas, as fitas largas e vistosas, pedaços da cor do sangue, do oiro, da neve e do céu!"[13]
 
"1903 - Os quartanistas de Medicina formaram um cortejo no Largo do Museu que se dirigiu ao Pátio da Universidade, indo à frente a Filarmónica dos Bombeiros.
Depois de cumprimentaram os quartanistas de Direito, voltaram ao Museu, ataram as fitas num balão que foi lançado ao ar, perseguido por foguetes [apenas há registo disso, de prender fitas a um balão, em 1902]."[14]
 
"(...) Queima das Fitas, festividade académica que realça a tradição coimbrã e que culmina com o dia em que os novos fitados queimam o "grelo" (fita estreita em forma de laço com a cor de cada faculdade) substituindo-o pelas fitas largas próprias da sua condição de finalistas."[15]
 
Queima das Fitas alunas de Direito em Coimbra, Ilustração, 8º Ano, Nº 12 (180), de 16 Junho de 1933, p.9
(Hemeroteca Municipal de Lisboa)
 
O SIGNIFICADO DA QUEIMA DO GRELO
 
Por que razão se queimava o "grelo"?
Como já nos foi possível entender, essa queima era uma espécie de "vingança", um exorcizar de todos os maus bocados passados no estudo e nas aulas, já com todas as dificuldades finalmente vencidas, no mesmo pressuposto com que os estudantes via as suas vestes estudantis rasgadas, pondo fim ao jugo do estudo, dos horários, das obrigações escolares e anteviam dias mais risonhos e pacatos da vida profissional.

Nota: Também se conhece o costume, quiçá mais recente (e porventura de fora de Coimbra) de queimar as cábulas nesse mesmo momento (alimentando o fogo com elas), por parte, desta feita, dos finalistas.
O centro da Queima das Fitas é a incineração do grelo. É esse acto que
confere aos festejo o nome que hoje se conhece.
 
"Queimar as fitas [os grelos], só os quartanistas o faziam, simbolizando o atado das sebentas a colocar nas estantes empertigadas, como se fossem bonzos guardadores das torturas da memória, da inteligência e do pensamento.
Era já olhar para trás, queimando e esquecendo pelo menos quatro anos de estudo ou de assistência às aulas.
Era queimando as fitas velhas [ou seja os grelos] que apareciam as novas, sacudindo cortinas de futuro, tal qual como a Fénix renascida na pasta nova de fitas largas, aonde mãos de noiva, mãe ou irmã, pintavam aguarelas de esperanças, águas fortes de ambições, ou bordavam matizes de saudades e amores."[16]
 
 
Da(s) fitinha(s) às Fitas de Finalista e Pastas de Luxo
 
 
Sem delongas, sabemos que, queimado o "grelo" (ou as primitivas fitas/atadilhos), o finalista recebia as fitas largas em pasta de luxo, das mãos do seu padrinho.
A mais antiga pasta de que há conhecimento, datará do ano de 1834, pelo que podemos convir que a tradição das pastas de luxo é de inícios do séc. XIX.
Simplificando: até às primeiras décadas do séc. XX, só os quintanistas usavam pasta - a pasta de luxo. Não existiam, portanto, pastas correntes para ir normalmente às aulas.
Os estudantes transportavam os livros atados com uma ou mais guitas (fitas), os quais podiam, mas não era norma, ficar entre duas talas de cartão ou 2 tábuas muito finas (com o único propósito de proteger os livros[17]), atadas em cruz e com remate em laço.
 
Fonte: Museu Académico de Coimbra.
 
 
ORIGENS DA PASTA DE LUXO E FITAS
 
A Pasta de Luxo e as respectivas 8 Fitas têm origem nas pastas que, primeiramente os lentes, e, depois, os alunos em fim de curso (com posses para tal), utilizavam. Uma forma, também, de vincar o estatuto e importância do portador, face ao restante contingente académico.
 
Capa de caderno de notas de inícios do século XIX.
A. Nunes, in Virtual Memories, 03-09-2009
 
 
"Um dos objectos de prestígio usado por docentes e estudantes do último ano de curso desde o século XVI era a pasta forrada de tecido para transporte e resguardo de documentos/papéis e a capa de cetim, seda ou damasco confeccionada para protecção de livros e cadernos de notas. As pastas e capas podiam ser manualmente pintadas ou bordadas, ostentando as mais luxuosas embutidos em metais preciosos e trabalhos de passamanaria em fio laminado. Nas capas havia sempre um fitilho comprido que servia para marcar as páginas que se estavam a ler ou as folhas de escrita. Nas pastas cosiam-se uns oito fitilhos que eram rematados por nós e laçarotes.
Foram estas pastas que estiveram na origem das pastas de luxo dos quintanistas, um dos poucos objecto de prestígio e ostentação que a cultura estudantil oitocentista valorizou."[18]
 
Imagens de pastas de luxo, constantes no acervo do Museu Académico de Coimbra.
Fonte: M.A.C. e Tripadvisor.
 
 
Fica aqui explicada a origem da pasta e das fitas largas (que inicialmente eram, contudo, um pouco mais estreitas que as que se passaram a usar a partir das primeiras décadas do séc. XX).
Estas pastas consistiam em duas talas de cartão dobradas, fechando com o auxílio de 3 a 4 ordens de pequenas fitinhas de cada lado, ou seja, cada Pasta tinha 6 ou 8 pequenas fitas (mas mais largas que os primitivos atadilhos) que serviam para atar a mesma com nós e laçarotes.
Mais tarde, com a magnificência das Récitas dos Quintanistas, é que se definiram/fixaram as famosas Pastas de Luxo, nas Faculdades de Direito e Teologia, já de Fitas Largas, caídas para fora, presas às telas forradas de rico cetim bordado, veludos com embutidos de prata, ouro e mármore.

Resumindo:

  • As fitas de finalista são uma versão mais larga e nobre das fitinhas que primitivamente serviam para atar/fechar as pastas que lentes, e estudantes com mais posses, usavam para transportar seus livros e cadernos (também existiriam pastas menos onerosas, uma versão mais pobre e simples, mas a regra era atar os livros com uma guita simples).
    Nada a ver, portanto, com o Grelo, propriamente dito, que, por sua vez, era apenas uma fita comprida para atar toscamente os livros.
 
 
AS FITAS de finalista
 
As fitas que os finalistas ostentam são em número de 8, cada uma com 7,5cm de largura e 40cm de comprimento, presas (normalmente pro colchetes) em volta da pasta, 2 por cada lado da mesma.

Essas fitas, são dadas a assinar pelos finalistas, após as férias da Páscoa, aos pais, namorado(a), professores e colegas. Sobre isso já falámos em artigo anterior (ver AQUI).
 
A distribuição das fitas a serem assinadas.
 
 
 
 
PASTA "da Praxe "
 
Começamos por esclarecer: diz-se Pasta "da Praxe", no sentido de ser a pasta regulamentada e permitida com o traje, a que é usual e apropriada para usar com o uniforme académico; nada mais que isso; nada a ver com praxes.
 

 
As Pastas de couro ou cabedal, embora menos vistosas, mas bem  mais baratas, generalizam-se na primeira década do séc. XX, introduzidas nomeadamente pelos estudantes militares (e também em voga nos geógrafos, arqueólogos e outros especialistas nos seus trabalhos de campo), contrastando com o luxo ostensivo das pastas dos quintanistas e podendo ser usadas pelos demais estudantes no seu quotidiano, então sim, para transportar sebentas (as de luxo serviam apenas para a festividade de fim de curso).

 Foram um enorme sucesso e, de certa maneira, um verdadeiro avanço "civilizacional", passando de livros atados de forma tosca para um adereço que oferecia não apenas protecção aos manuais, mas conferia uma certa elegância e gabarito ao estudante.
O seu uso generalizado no Porto, nomeadamente a partir de inícios do séc. XX, onde as mesmas eram passadas pelos quintanistas, finalistas, ao quartanistas, na, então, Festa da Pasta[19]; alargou-se a Coimbra e a todo o país, acabando por substituir as próprias pastas de luxo, demasiado caras.
 
Festas da Pasta na UP in  Ilustração, Ano 5º, Nº 108, de 16 Junho de 1930, p.11 (Hemeroteca Municipal de Lisboa)

 
Quando os estudantes perceberam que, mesmo não sendo baratas (mas sempre bem mais em conta que as de luxo), as pastas de couro podia durar o curso inteiro e, para além disso, serem suficientemente dignas e vistosas para ostentar fitas de finalista, passaram a aparecer nas mãos dos finalistas, a par com as de luxo (as quais foram desaparecendo a partir de 1920).
 
 
 


O facto da pasta de couro se ter vulgarizado por todos os anos,  leva-nos a questionar essa ideia de que os caloiros não podem usar pasta, como qualquer outro estudante, sem reservas ou condicionantes.
Aliás, questionamos veementemente essa invenção de que o caloiro não pode usar pasta ou que se tem de usar no braço esticado x ou y, porque nunca foi isso norma tradicional, quando a pasta de couro começou a usar-se indiscriminadamente por todos e desapareceu a pasta de luxo e o exclusivo do uso de pasta para finalistas.
 


 
A Semente e a Nabiça
 
 
Estas duas insígnias, ao que tudo indica, surgem na academia portuense, como resposta à necessidade que os estudantes sentiram de se impor também uma Insígnia nos primeiros anos de curso.
Ao que tudo indica[20], estas insígnias surgiram nos anos 1960. A partir dos anos 1990, outras academias as importam.
 
A semente (là esquerda) e a nabiça (à direita)
 
 
O que as designações prefiguram está intimamente ligado ao contexto histórico da "hortaliça académica", pelo que a "semente" corresponde ao 1.º ano, um pequeno laço pregado à lapela; seguindo-se, no 2.º, a nabiça, um laço maior, também colocado na lapela.

Nota: pessoalmente, creio que teria tido, porventura, mais graça apelidar a "semente" de "Nabo", numa alusão jocosa a quem ainda não sabe nada, porque ainda "verde", criando uma trilogia mais "familiar" (nabo, nabiça, grelo) e fortalecendo a tradição já existente de dar a trincar o nabo aos caloiros.
 
Há quem lhe chame "falsas insígnias", por contraponto às denominadas "reias" (de verdadeiras) insígnias (Grelo e Fitas).
A nabiça.

As fitas do finalista e a semente do primeiranista.
Queima das Fitas, FLUP-UP, 1987 (Acerco de Álvaro Pinto)
 
 
 
 
Cremos que tais epítetos são de evitar. Nem uma são falsas nem as outras são mais verdadeiras. O que se infere é que umas são mais recentes e outras mais antigas ou tradicionais.
Prescrever cognomes discriminatórios (reais Vs falsas) não nos parece adequado, até porque não há colisão entre elas (complementam-se). Pior são as insígnias inventadas do nada, como pompons e quejandos, ou as que são paridas em função de n.º de matrículas e baseadas em praxes,  essas, sim, algo verdadeiramente escusado e sem qualquer fundamento.
 
 
 
 
 
 
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NOTA: quem pretender aceder a mais imagens sobre estes e outros assuntos relativos à vida académica, poderá aceder ao espólio fotográfico que o N&M disponibiliza na sua página de FB, AQUI.


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[1] Em artigo anterior, abordámos a história dessas festividades. Ver AQUI.


[2] Gonçalo Reis Torgal - Coimbra, Boémia e Saudade, Vol. II. Coimbra, 2003, p. 113


[3] Artur Ribeiro - Queima das Fitas - Os 100 anos do Centenário da Sebenta 1899-1999. Coordenação editorial do Diário de Coimbra - colaboração do Museu Académico. Coimbra, 1999, p.17.


[4] Gonçalo Reis Torgal - Coimbra, Boémia e Saudade, Vol. II. Coimbra, 2003, pp. 114-115.


[5] Alberto Sousa Lamy, - A Academia de Coimbra, 1537-1990. 2.ª Edição, Rei dos Livros. Coimbra, 1990, p. 680


[6] "A Academia reuniu, declarou-se incondicionalmente ao lado do povo de Coimbra e organizou uma recolha de fundos para auxiliar as famílias das vítimas. O Governo encerrou a Universidade a 14 de Março e determinou que todos os estudantes não residentes saíssem de Coimbra, mas poucos arredaram pé. As aulas só reabririam a 20 de Abril" (Zé Veloso, in blogue Penedo d@ Saudade, artigo de 3 de novembro de 2011).


[7] Gonçalo Reis Torgal - Coimbra, Boémia de Saudade, Vol. II (2003), em nota de rodapé, p. 115.


[8] Serrão de Faria - À Porta Férrea. Portugália Editora. Lisboa, 1946, p.43-46.


[9] Lamy, p. 668 e 669, citando João Eloy - Boémia de Coimbra, pp. 219-220 e pp. 222-223.

[10] Idem, p.670.

[11] Citando Amílcar Ferreira de Castro - A gíria dos estudantes de Coimbra, p.p.73-74.

[12] Lamy, pp. 676-677.

[13] Carmine Nobre - Coimbra de Capa e Batina. I Volume, 2.ª edição. Coimbra Atlândida, 1937-1946, pp.220-221.

[14] António José Soares - Saudades de Coimbra 1901-1916. Almedina, Coimbra, 1985, p.36 (1903).

[15] AAC - Queima das Fitas, 1.º Centenário. D.G. AAC / Comissão Central da Queima das Fitas, 1987, p. 5.

[16] Serrão de Faria - À Porta Férrea. Portugália Editora. Lisboa, 1946, p.43.

[17] Livros esses que ou eram emprestados ou tinham custado bom dinheiro, daí o cuidado extremo em os estimar.

[18] António M. Nunes, in blogue Virtual Memories, artigo de 03 de Setembro de 2009.

[19] Vd. Luís Pedro Mateus - Queima das Fitas na Academia do Porto, in Praxe Porto, (em linha], consultado a 20 de outubro de 2017.

[20] A isso se refere João Caramalho Rodrigues, in blogue Porto Académico, artigo de 15 de Dezembro de 2011 [em linha], consultado a 20 de outubro de 2017, e que encontramos igualmente em Luís Pedro Mateus, in Praxe Porto.