quinta-feira, setembro 01, 2011

Notas de par em (ím)par.

Bem sei que este assunto será, desde logo, observado pelos meus dilectos leitores mais avisados, como um "fait divers", um exercício sobre uma matéria que, em Praxe, nada tem de essencial e fulcral. Mas é porque a comunidade académica de hoje parece estar tão presa a periferias e picuinhices que achei ser necessário também abordar este "tema".

A questão prende-se com a importância dada ao N.º ímpar, no que respeita a assuntos de Praxe.
De onde vem essa fixação e todas as determinações dai resultantes, relativamente ao traje ou outros quejandos praxéticos?

Daquilo que foi possível pesquisar (mais do que fazer apelo à memória), nada se encontra, documentalmente, que explique o quando, como e porquê dessa convenção como sendo um uso antiquíssimo e ancestral. Aliás, recuando ao tempo anterior aos anos 90, nunca tal foi considerado praxis ou tradição, nunca!
Assim sendo, não é Tradição sequer, nem Praxe.

A explicação mais comum, que podemos encontrar em diversos sites, e que é a mais reproduzida, não passa, claramente, de um argumento "a posteriori", para justificar algo que, ao que tudo indica, é mais um fruto do "boom académico" dos anos 80 do século passado (a reabilitação das tradições académicas) ou pelo menos a formalização de uma convenção algo recente de uma errónea interpretação.


A explicação avançada, para a importância no N.º ímpar é um exercício de analepse e reabilitação da ligação clerical das universidades. Assim, explica-se a sua importância religiosa/mística/bíblica porque:

"São 3 as pessoas da SS. Trindade, 3 os mensageiros que se dirigem a Isaac (antigo testamento), 3 os apóstolos no monte Tabor durante a Transfiguração, 3 as hierarquias do juízo final: inferno, purgatório e paraíso, 7 ospecados capitais, ou 7 as vitudes teologais. 
Também porquea  Criação se fez em 7 dias  e o sábado é tido como o sétimo dia , relativo ao descanso após a Criação (segundo o Génesis) , pelo Pentecostes que sucede 7x7 dias depois da Páscoa, pelo facto de cada sétimo ano ser sabático ou, depois de 7x7 anos se seguir o Jubileu; tal como a bíblica recomendação de se perdoar 70x7, as 9 bem-aventuranças...........)."

Estranhamente, e principalmente se pensarmos no traje (capa e batina), que é um corte com o hábito talar, por força dos anti-clericais, dos laicos republicanos (de que bem conhecemos os ódios à Igreja, nomeadamente às ordens religiosas, sobretudo aos Jesuítas)  que, a partir de finais do séc. XIX impõe um modelo burguês - de que provém o actual figurino da capa e batina, parece-me incoerente que tão atiçados anti-clericais impusessem no protocolo da Praxe (e do traje) convenções com base em simbologias judaico-cristãs.

Pelo que se pode observar em diversos clichés, desde o séc. XIX, o colete, por exemplo, tanto apresenta 4, como 5 ou 6 botões, tal como a casaca (que manteve o nome de "batina" por força do uso - apesar de, certamente, muito contrariar os anti-clericais) que tanto tem 3, como 4, 5 ou mais botões.

Recordemos que o actual figurino do traje resulta da produção em série de trajes (pelas unidades fabris), deixando de ser segundo cada alfaiate ou modista (uns faziam assim outros mais assado), para ser segundo um modelo de fábrica onde se produziam em série.

Mas se alguns defendem com unhas e dentes, embora com muita cegueira intelectual, que na Praxe é só N.º ímpar, porque é, supostamente, inspirado na simbologia numérica do cristianismo ou misticismo numérico bíblico, que dizer, então, dos 4 os evangelistas, de serem 12 os apóstolos, 14 mandamentos da Stª Igreja, 10 os Mandamentos, 12 as tribos de Israel, 4 os cavaleiros do Apocalipse, 40 os anos do povo israelita no deserto (após saída do Egipto), 40 os dias de Cristo no deserto, como o são os dias da Quaresma ou os 50 dias da época pascal (até ao Pentecostes)...........?
Lá está: dir-me-ão que se somarmos aos nºs pares o n.º três, obtemos um nº ímpar.......parece-me tão óbvio quanto insignificativo, e que tem bem cara de ser mais um procurar, precisamente, o que se quer encontrar.
 
Conforme se quiser, encontraremos as explicações mais "lógicas" noutras áreas que não a mística ou religiosa, seja na geometria, na própria matemática ou noutra área qualquer, para tanto defender o par como o ímpar. Sejam as rebuscadas explicações do sujeito como alguém ímpar e único, o tempo de praxe que é singular, etc&tal, tudo é muito giro, mas ditos e contos de embalar não, por favor!

Não sejamos ímpares de inteligência!

Ora se em Praxe é o N.º ímpar que reina e que domina, em alguns sítios, penso que encontramos nisso falíveis casos que contrariam essa ideia e disposição.
O facto é que tanto encontramos Nºs pares e ímpares, tanto mais de uns do que de outros conforme assim o quisermos ou der jeito.
Se os botões de um colete são em n.º ímpar, acabam por formar um par com as respectivas casas. Os buracos dos atacadores são em número par, tal como usamos um par de sapatos, um par de calças ou meias. E contudo, as fábricas de calçado não fazem sapatos tendo em conta isso. os estudantes compram o que as fábricas propõem e não são as fábricas a fazer sapatos sob indicação regulamentar da Praxe.
Veja-se, também que o mítico termo "Dura Praxis Sed Praxis" é composto por 4 palavras, embora com 19 letras e 7 sílabas, tal como os termos "Praxe" ou "Praxis" ora são com letras em n.º ímpar ou par, mas ambas par no n.º de sílabas.
As fitas da Pasta da Praxe, por outro lado, são 8, a qual é composta, por sua vez, por 2 abas.
Do mesmo modo, os logótipos de Praxe mais correntes utilizam 4 insígnias: Colher, Tesoura (um par de tesouras), moca e penico. Mas temos, igualmente, para o n.º ímpar, as "insígnias" de finalista que são 3«4: cartola, bengala, laço e roseta. É o grelo 1, mas termina em 2 pontas; é "Dux" ímpar, mas "veterano" e "doutor" são par (nº de letras e de sílabas).
Conforme o que queremos ver/defender, ambos os nºs aparecem.
 
Não me parece que haja qualquer fundamento em ligar tal a misticismos ou religiosidades por conveniência, sobretudo porque, claramente, essa explicação aparece depois para tentar legitimar algo que foi "inventado" por alguns, há largos anos atrás.

Em algumas casas, determinou-se ser assim, convencionou-se ser o N.º ímpar aquele que se sobrepunha, mas não entremos em exageros e ficção, nomeadamente numa matéria que não é, de todo, essencial ou essência da Praxe.
Os fundamentalistas praxistas que parem para pensar um pouco sobre o ridículo de querer tornar esta questão em cerne e fulcro da Praxe (juntamente com outras questões - que são tantas - deste género).
Em Coimbra, a título de exemplo, isso não é Praxe nem da Praxe. Aliás, falando em Tradição Académica Nacional, essa coisa dos números ímpares não tem fundamento algum: nunca foi, nem é Tradição ou Praxe.

Pedir discernimento e alguma inteligência não é pedir muito, ou é?

Existe a convenção do n.º ímpar em algumas situações, nomeadamente quanto à composição de organismos colegiais, com o intuito de evitar situações de empate nas decisões tomadas, embora possamos acudir com o facto de  pro alguma razão existir a figura do voto de qualidade.
Convenciona-se um n.º que tanto pode ser par ou ímpar, sem precisarmos de o justificar seja onde for. Se são 3 bengaladas na cartola, ou se são 4 tesouradas; se são 2 flexões ou se são 21, isso nada tem de místico, significativo ou se assume como dogma.

Ainda assim, quando nos deparamos, por exemplo, com a publicaçao de coisas do tipo " Latada, dia 20+1 de Outubro de 2008+1" (em que o "+1" é para não terminar é n.º par) isso não merece qualquer respeito, porque a estupidez não se respeita nem é Praxe.
O mesmo sucede com a estupidez de colocar as horas nesse mesmo preparo: 21:59 para não serem 22h00 ou 00.01 para não ser meia noite.
Nada tem de Praxe, nem nunca teve. É preciosismo bacôco e parvo e quem acredita, e defende isso, exemplo de pequenez intelectual.

14 comentários:

Unknown disse...

Desde já agradecido pela explicação sobre o assunto da (im)paridade das coisas. Agora outra dúvida me surge. Existe alguma razão lógica e credível para os emblemas serem colocados religiosamente do lado esquerdo da capa? Ou para a capa andar sempre no ombro ou braço esquerdo?

J.Pierre Silva disse...

Caro Pardejo,

Se existe, eu não sei. Nada tenho sobr eo assunto, pelo que indicia foi uma mera opção, porventura por ser mais prático, não sei.
Seja como for, parece-me realmente indiferente o lado.
Convencionou-se assim, apenas isso.
Eu, por exemplo, sempre andei com capa no ombro direito (porque não tínhamos esse preciosismo), além de ser mais prático para tocar guitarra, por exemplo, para quem é destro.

Unknown disse...

Muito agradecido pela clarificação.

Anónimo disse...

Boas,

Ao longo do tempo já me fui apercebendo de algumas incoerências em praxe. Esta por exemplo!Falo de incoerência porque me foi ensinado assim! Sempre me disseram que em praxe não existiam números pares. Algumas teorias, e sim apenas teorias, sustentavam esta ideia. Inventadas ou não, por acaso faziam algum sentido no momento em que eram ditas e para quem as estavam a ouvir!Contudo caiam logo em descrédito quando se punham caloiros de 4! que eu saiba o 4 é um número par... Como este, existem muitos outros exemplos, como sessões de praxe em dias pares! A ser "pela praxe" só se poderiam fazer em dias ímpares. Lol e isso não acontece! Porquê?
Lá está, falta precisamente isto a muitos praxístas, saber o porquê das coisas, o porquê de se fazer/ser assim e não de outra forma, procurar saber mais, ou mesmo desmistificar muitos mitos que por ai andam.

Egitaniense disse...

Diz: "...mais um fruto do "boom académico" dos anos 80 do século passado (a reabilitação das tradições académicas)..."

Não, não é "dos anos 80". Lembro (repito o que já lhe disse em mensagem privada) que em Coimbra (e na Guarda!), muito antes dos anos 80 todas as 'trupes', por exemplo, tinham que ter um número ímpar de elementos!

J.Pierre Silva disse...

Caro Carlos,

As explicações dadas ao nº ímpar são fruto do "boom académico" dos anos 80.
Já antes se usava essa convenção num ou noutro aspeto,como no caso que relata (que se reporta nomeadamente aos anos 60), mas muitas vezes também por motivos pragmáticos.
Praticamente qualquer organização, formal ou não, é composta por um nº ímpar deelementos, precisamente para que não exista, por exemplo, empates em decisões/votações.
No caso de grupos com formações em nº par existe a figura do "voto de qualidade" (que tornar ímpa ro que é par, dando a uma pessoa, usualmente o chefe, a possibilidade de, em caso de empate, o seu voto valer por 2).

Agora expicações ficcionadas ou as que afirmam que em praxe não há nº par é que releva de invencionismos sem fundamento.

Ainda assim, não consta em código algum ou como prática ritualística que o nº ímpar fosse observado como "sagrado" nas práticas e cerimoniais estudantis.

Os "papismos" que hoje verificamos nos normativos, nos codigozinhos da treta....... são assentes em mentes tão criativas quanto ignorantes, porque raramente assentam m premissas e precedentes históricos, tradicionais e advindos de uma cultura anterior.

Abraço e obrigado pela participação.

Anónimo disse...

4 insígnias: Colher, Tesoura, penico e moca? Insígnias?
Insígnias de finalista que são 3: cartola, bengala e roseta?
Nunca tal vi...

J.Pierre Silva disse...

Sim, caro "Anónimo" (bem que podia ter escolhido um nick, já agora), INSÍGNIAS.

Insígnias são sinais distintivos que que identificam uma instituição, um contexto, um cargo ou um determinado estatuto, que tanto se pode traduzir na heráldica, como em condecorações, emblemas, distintivos.... (consulte um dicionário de referência e perceberá a significância).

São assim formalmente designadas desde, pelo menos, 1957 com a publicação do 1º Código de Praxe (e o código veio neste caso por no papel o que já era tradição anterior), e assim denominadas na quase totalidade das grandes academias, seguindo, como é natural, a tradição.

4 INSÍGNIAS de PRAXE, como muito bem explica o especialista na matéria, Prof. António M. Nunes em

http://notasemelodias.blogspot.pt/2009/07/notas-sobre-origem-das-insignias-de.html (leia que vale a pena).

São INSÍGNIAS DE FINALISTA as 3 enunciadas, pro ser identificativas e ilustrativas dessa condição, que ostentam como distintivas de final de curso, mesmo se são adereços jocosos e carnavalescos (é essa a sua origem, aliás), como forma de parodiar e celebrar com alegrai o fim do percurso escolar.

Não vejo, por isso, a sua estranheza, mas vocé está sempre a tempo de aprender.

Fila disse...

Foi-me ensinado q a capa é do lado esquerdo do corpo, por este ser o lado do coração, logo o amor pela tradição e pelos académicos..Mas assumo desde já que me parece mais uma desculpa justificativa..
Os meus parabéns pelo site, que infelizmente só agr descobri
Sudações académicas

J.Pierre Silva disse...

O lado em que se usa é mera convenção, apenas e só.
Nada a ver com o coração ou quejandos.
Eu sempre usei do lado direito pro me dar mais jeito e nunca ninguém me chateou a cabeça por isso (era o que mais faltava).
Não é nem dogma de fé nem de Praxe.

David disse...

Caro WB,

Quero desde já dar os parabéns por este blog, que me serviu para compreender melhor a praxe e a sua verdadeira tradição. Sou estudante de Leiria e nunca ensinam nada sobre o que é a praxe aos caloiros... apenas dizem, usos e costumes e manter tradições. Colocam textos sobre a magia e qualquer coisa sobre platão sem qualquer fundamentação, ou seja, fica-se a saber o mesmo...

Tenho uma dúvida em relação em como se utilizava verdadeiramente a capa... porque nos códigos de praxe falam só sobre como se traça quando s utiliza descaída pelos ombros, dobras e etc..

-É realmente necessário fazer as dobras segundo as matriculas quando esta é corrida pelos ombros?

-cheguei a ver fotos de estudantes datada 1900-1910 com a capa traçada de forma muito diferente que se utiliza hoje!

Estes são alunos de liceu..gostaria de saber se eles utilizava assim a capa por serem alunos de liceu, ou se os universitários também a usavam dessa forma! Cheguei a ver fotos com a capa assim traçada e pareceu-me estudantes de universitários.

- Houve alguma lacuna na história de traçar a capa? Pode-se voltar a usar a capa dessa forma? É que é dessa forma representa pelo menos um século de história e mantinha a tradição.


Eduardo Guedes disse...

(..."As explicações dadas ao nº ímpar são fruto do "boom académico" dos anos 80"...)

(..."Algumas teorias, e sim apenas teorias, sustentavam esta ideia. Inventadas ou não, por acaso faziam algum sentido no momento em que eram ditas e para quem as estavam a ouvir!Contudo caiam logo em descrédito quando se punham caloiros de 4!"...)

Por acaso na minha casa usa-se números ímpares , e sim, já tinha ouvido falar sobre o "boom académico" mas ao dizer, coloquem-se se 4, simplesmente está-mos a dizer coloquem-se na posição X, não estamos a falar sobre numeração nenhuma, digo eu claro.
Saudações Académicas

J.Pierre Silva disse...

Caro David,
As dobras que se fazem na capa nem sequer são obrigatórias para a usar pelos ombros. Isso que me conta das dobras serem em função do Nº de matrículas é descabido e sem qualquer fundamento. Bastaria ver que, assim sendo, toda a capa (e não chegaria) do Dux de Coimbra ou do Porto estaria à volta do pescoço como cachecol, de tantas matrículas que eles têm.
Eu, inicialmente, no meu tempo, fazia 3 devido a essa tanga do nº ímpar, mas, com o tempo, deixei-me disso e metia-a pelos ombros sem dobras ou com as dobras que eu achasse necessário para ela se segurar melhor.

Os alunos do liceu, cujas fotos visionou, usam a capa de modo igual aos colegas universitários, muitas vezes em jeito de toga romana. Os estudantes espanhóis faziam o mesmo (séc. XIX) e também os tunos (até ao séc. XX, quando mudaram o seu traje para o actual).
Não há regra para isso, São modas.
A capa usa-se como bem nos apetece, salvo nas situações protocolares:
- Luto é com capa descaída sem dobras e abotoada à frente com os respectivos colchetes;
- Cerimónias e actos solenes/oficiais é com capa descaída pelos ombros, sem dobras;
- Serenata Monumental é com capa traçada, tapando o colarinho. Isso também ocorre comas trupes, embora mais por “mania”, pois na verdade a origem está apenas em porem a capa de modo a ficarem mais quentes (pois as trupes operam à noite, altura em que está mais frio).
Para praxar não existe nenhuma obrigação em traçar ou ter a capa da maneira X ou Y.
Só nos casos que acima referi existe uma etiqueta/protocolo a cumprir. Fora isso, usa-a como bem lhe der na cabeça, seja no ombro esquerdo ou direito, ao braço, à cintura, com dobra sou enrodilhada, como cachecol ou como lhe der mais jeito.
Normalmente, quando em momentos mais ou menos formais, usa-se dobrada no ombro (direito ou esquerdo é mera convenção, pois eu usava no direito, quando muitos usavam no esquerdo, o que não fez e mim menos praxista ou impediu de ser Dux e saber umas coisas de Praxe).

J.Pierre Silva disse...

Caro Eduardo Guedes,

Se usam os nº ímpares justificando-os segundo as “estórias” que avencei, incorrem num erro.
Mandar alguém pôr-se de 4 é pôr-se sobre os seus 4 membros, num aposição quadrúpede, meu caro. A “posição X” é uma posição sobre 4 “patas”, própria aos animais quadrúpedes. Trata-se de um nº, meu caro, uma posição quadrúpede por oposição à posição bípede (sobre 2 membros) dos humanos.
Ande você por onde andar, andará sempre sobre números pares.

Na verdade, isso dos nº ímpares é tanga. E se compreendo que alguém desinformado siga essas tangas, já o não compreendo nem aceito a quem sabe que tudo isso é ficção e, ainda assim, continue a alimentar palermices que nada têm de Praxe, mas apenas de papismo.

Abraço